A FORMAÇÃO DO PROFESSOR
E A COMPREENSÃO LEITORA DO TEXTO LITERÁRIO
Ana Cristina dos Santos (UERJ e UVA)
Considerações iniciais
O trabalho que ora apresentamos é fruto de um projeto do Departamento de Letras Neolatinas do Instituto de Letras da UERJ, intitulado “A inserção do discurso literário no processo de ensino e aprendizagem de E/LE”. A pesquisa engloba literatura e ensino de língua espanhola e tem como objetivo principal conscientizar os professores da importância de inserir o discurso literário nas aulas de E/LE, não somente por seus conteúdos gramaticais, lexicais e culturais, mas também por seu valor estético. Com outros dois subprojetos, faz parte de um projeto de pesquisa cadastrado no CNPQ denominado “Leitura e ensino de espanhol como língua estrangeira: diferentes focos na formação docente”, cujo objetivo é refletir sobre o papel do ensino da leitura no contexto da formação dos profissionais graduados em língua espanhola no Estado do Rio de Janeiro.
Na reforma dos Cursos de Licenciatura do Instituto de Letras da UERJ – que entrou em vigor no primeiro semestre de 2006 – o Departamento de Neolatinas aprovou, como conseqüência do projeto “A inserção do discurso literário no processo de ensino e aprendizagem de E/LE”, a criação da disciplina obrigatória “Prática de ensino do texto literário em língua espanhola (língua italiana/ língua francesa)” para o currículo de seus alunos. A disciplina tem como objetivos: a) discutir a importância de utilizar o discurso literário no processo de ensino/aprendizagem de língua estrangeira (LE); b) especificar o lugar e o papel do texto literário no processo de ensino e aprendizagem de LE e, c) ampliar as propostas de utilização do gênero literário em sala de aula.
A pesquisa em ensino de literatura em sala de aula de E/LE teve início com a publicação, pela autora, do artigo “El texto literario: aportaciones a la enseñanza del español como lengua extranjera” em 1998. Ao longo desses anos, em nossa prática como professora de Espanhol como Língua Estrangeira na Universidade Veiga de Almeida e como professora de Literaturas Hispânicas no Instituto de Letras da UERJ, observamos que o texto literário em aulas e materiais didáticos de E/LE aparece somente como mostra de cultura, ou para a aplicação de um ponto gramatical ou lexical. Inclusive nas atividades que priorizam a compreensão leitora, não se trabalham as especificidades do discurso literário. Outro ponto de reflexão foi a análise do material produzido pelos professores/alunos no módulo “Análise e elaboração de materiais” no Curso de Especialização em Língua Espanhola do setor de Espanhol, no Instituto de Letras da UERJ. Ao término do módulo, o professor/aluno deve entregar uma apostila com atividades de compreensão leitora ,segundo o modelo sociointeracional de leitura. Entretanto, após a correção e a análise do material, observamos que os professores dificilmente elaboravam atividades com o texto literário e, quando o faziam, não havia exercícios que trabalhassem as especificidades do gênero. Chamou-nos a atenção o fato de que a apostila abrangia vários gêneros textuais (anúncios, cartas, receitas, notícias, entrevistas, artículos etc.), exceto os literários. Questionados sobre o fato, quando da entrega do material, o professor/aluno geralmente respondia que o gênero literário era uma tipologia difícil de ser trabalhada e que não havia lugar para o seu uso em sala de aula. Além do mais, a literatura não era o interesse básico do aluno, pois o que ele queria era aprender língua e não literatura. Outros motivos apontados foram os de que em sua graduação as disciplinas de língua e literatura eram ensinadas em separado e, por isso, não sabiam como inserir um texto literário nas aulas de língua e, também, que os textos literários apresentes nos materiais didáticos para o ensino de língua serviam apenas para ensinar cultura e; assim, não titubeavam em responder que os textos literários deveriam estar presentes nas atividades sempre que houvesse a necessidade de introduzir questões culturais. O discurso de que os textos literários servem para ensinar cultura – lugar comum na praxis docente – sustentava-se na mostra das atividades apresentadas nos principais materiais didáticos para o ensino de E/LE utilizados pelos professores em sala de aula. Essa visão restritiva da utilização do texto literário dentro do processo de ensino e aprendizagem de E/LE leva desde a sua segmentação até a sua total ausência.
Em vista das respostas, elaboramos, então, algumas hipóteses para a não-inclusão do texto literário nas propostas de atividades apresentadas: a) os professores não vêem o texto literário como material autêntico[1] que deva estar presente nas atividades propostas para desenvolver as habilidades de compreensão dos aprendizes; b) acreditam que esta tipologia textual não é de fácil compreensão para os alunos e; c) como não encontram atividades elaboradas com o gênero literário nos manuais didáticos, não têm um modelo para preparar suas próprias atividades.
Iniciou-se então, um processo de desmistificação do uso do texto literário no espaço destinado ao ensino de língua espanhola, originando o projeto já citado.
O gênero literário e o ensino de E/LE
Nossa proposta não se restringe à utilização do texto literário nas aulas de E/LE somente como uma amostra da cultura de um grupo e, muito menos, a sua aplicação para exercitar um ponto gramatical ou lexical. Acreditamos que para tal prática quaisquer outros textos servem e não, especificamente um texto literário. Queremos destituir o uso do texto literário como pretexto, – como comumente fazemos com os outros gêneros textuais – onde a leitura do texto se converte em uma atividade vazia de significado e é um instrumento para o ensino da cultura, da gramática ou do vocabulário, como afirma Lajolo (1998: 57):
O texto não é pretexto para nada. Ou melhor, não deve ser. Um texto existe apenas na medida em que constitui ponto de encontro entre dois sujeitos: o que escreve e o que lê; escritor e leitor, reunidos pelo ato radicalmente solidário da leitura, contrapartida do igualmente solitário ato da escritura.
Não estamos discordando aqui do valor cultural do texto literário. Entretanto, se consideramos que todo e qualquer texto se produz dentro de uma cultura específica e adquire os sentidos da cultura em que foi produzido, pois quem usa a linguagem com alguém, o faz de algum lugar determinado social e historicamente. Por conseguinte, todo e qualquer texto é instrumento para o ensino de questões culturais e não somente o literário. No entanto, como se confere ao texto literário o status de cultural[2], – por causa da concepção humanística do termo cultura –, esse passa a ser o objetivo principal da sua utilização em sala de aula. Se partirmos de este princípio, todo texto deve ser compreendido segundo o seu conteúdo sociocultural e sociológico diretamente relacionado aos costumes e instituições de um país; o seu conteúdo semântico em que também se encontra o valor cultural da língua; o seu conteúdo pragmático, em que as normas culturais influenciam a forma exata da expressão e; finalmente, pelo seu conteúdo lingüístico. Porém, ao texto literário além dos já mencionados, devemos acrescentar também o conteúdo estético, que determina a sua natureza literária. O conteúdo estético é a essência diferenciadora do texto literário. Essa especificidade o diferencia de outros textos e deve ser ressaltada quando o professor formule propostas para a compreensão leitora. Contudo, não é o que acontece, pois estas propostas de atividades geralmente não ressaltam o conteúdo estético do texto literário.
Metodologias de ensino e o discurso literário
Ao analisarmos as propostas de atividades de leitura existentes nos livros didáticos para o ensino de E/LE, detendo-nos nas atividades de compreensão leitora, percebemos que não há exercícios que considerem a diferença entre linguagem literária e não-literária. Os exercícios dão prioridade aos modelos de leitura bottom up ou ascendente e top down ou descendente e, com raras exceções, não consideram a questão do gênero textual e as estratégias que utiliza o leitor para compreendê-lo. Os exercícios de compreensão leitora, como via de regra, têm como objetivo a localização de informações, a memorização de palavras novas, a ilustração da morfossintaxe e a opinião do aluno sobre o tema do texto. Há somente o contato mecânico com o texto, sem nenhuma reconstrução dos laços do texto com o seu contexto. Os textos literários quando estão presentes nos livros didáticos são apenas um pretexto para ensinar um ponto gramatical, uma destreza comunicativa específica, algo sobre a cultura da língua estudada ou ainda, para que o aluno simplesmente leia e saiba sobre um determinado tema, sem nenhum exercício proposto. As atividades não se detêm nas marcas lingüísticas e estilísticas que diferenciam o discurso literário de outro discurso. Partimos, então, para buscar as causas desta ausência ou sub-utilização do discurso literário nas aulas de E/LE. Vimos que elas podem ser explicadas, historicamente, através da evolução das metodologias de ensino e aprendizagem de língua estrangeira. O lugar e o papel do discurso literário é determinado pelos enfoques metodológicos que orientam o material didático e as atividades propostas em sala de aula.
No método tradicional (século XIX), o uso do texto literário era considerado como indispensável, pois era o discurso considerado como mostra perfeita da língua e deveria ser imitado, memorizado e copiado. Aquilino Sánchez (2000: 136) afirma que a teoria lingüística defendida pelo método preconizaba que “el modelo de lengua se sitúa en los textos literarios, los cuales constituyen el punto de partida para el aprendizaje”.
Para Aquilino Sánchez (2000: 145), a entrada do método direto (no início do século XX), já não parte exclusivamente de modelos de língua dos textos literários: “Por el contrario, la lengua que se enseña primero es la lengua cotidiana y de cada día, derivadas de las situaciones de la comunicación sobre las cuales se fundamentan las clases”. Começa, então a exclusão paulatina na sala de aula de língua estrangeira do texto literário, uma vez que este discurso não constituía uma mostra de língua cotidiana.
A partir da década de trinta do século passado e com base nas teorias da Lingüística Aplicada, o ensino de língua estrangeira entra em uma nova fase. As discussões lingüísticas, derivadas das diferentes escolas de linha estrutural, aplicam-se à descrição das línguas naturais e originam várias correntes metodológicas: método audio-oral, método estruturo-global-audio-visual e método situacional. Segundo Sánchez (2000: 160-1), nos métodos de base e componente estrutural “el modelo de lengua objeto de la docencia debe ser una muestra representativa del uso real de que de ella hacen los hablantes”. Dentro desse contexto de ensino e aprendizagem, não se vê o discurso literário como mostra representativa do uso real da língua. Assim, continua o menosprezo pela inclusão do discurso literário no processo de ensino e aprendizagem. Este menosprezo pelo discurso literário enquanto material didático nas metodologias de caráter estruturalista originou-se da crença de que era difícil, tanto para os professores quanto para os alunos, trabalhar em sala de aula atividades que envolvessem o discurso literário e, como conseqüência, o abandonaram.
A partir de 1970, as teorias lingüísticas se orientam para o estudo da língua como um sistema orientado à comunicação que prioriza a transmissão de significados. Como o significado se transmite em uma determinada situação comunicativa e em um contexto específico, começam a surgir as primeiras críticas as metodologias de caráter estruturalista. Dentro do ponto de vista prático, as críticas se centram na dificuldade de aplicar o aprendido de maneira apropriada ao contexto comunicativo. A competência gramatical que orientou as metodologias de caráter estruturalista continua sendo um elemento fundamental, mas divide a sua importância com outras habilidades. Surgem, então, os métodos orientados à competência comunicativa. Para Santos Gargallo (1992: 34), esta mudança acontece:
...porque nos es suficiente conocer las estructuras y el vocabulario para comunicarse […]; resulta imprescindible la adecuación al contexto, lo cual implica una serie de conocimientos de uso sobre contenidos pragmáticos, discursivos, socioculturales y estratégico.
A mudança se reflete de maneira mais concreta na conceituação dos conteúdos que devem refletir o que se faz com a língua. O ensino de LE exige conhecimentos lingüísticos e funcionais.
O primeiro enfoque a utilizar esta mudança são os programas nocional-funcional. Nesse contexto, o discurso literário continua sendo excluído porque não representa, segundo Santos Gargallo (1992: 35): “um conjunto de técnicas de comunicación y estruturas lingüísticas que son parte del conocimiento social transmitidos a través de los procesos lingüísticos de socialización.”
Para Aquilino Sánchez (2000: 195), essa resistência à inserção do discurso literário nas atividades proposta em sala de aula ocorre porque os fundamentos teórico-práticos vigentes continuavam utilizando as atividades propostas pelas metodologias de base estruturalista. A ênfase dada às atividades se centra no uso oral da língua. Dentro dessa perspectiva de oralidade, não havia lugar para o discurso literário.
A partir dos anos 80 do século passado, motivado pela necessidade de superar o vazio metodológico deixado pelo estruturalismo, surge o enfoque comunicativo. A nova metodologia integra, de forma interdisciplinar, as teorias de diversas disciplinas: a psicolingüística, a pragmática, a sociolingüística, a lingüística e a etnografia da fala. Nessa época, os materiais didáticos ainda utilizam alguns procedimentos e técnicas das metodologias anteriores. Somente nos anos 90 é que os materiais didáticos se centram nas atividades comunicativas, cujo objetivo prioritário é a interação comunicativa e aparecem implicadas duas ou mais habilidades lingüísticas.
Os discursos utilizados nas atividades propostas são os que representam o uso cotidiano da LE estudada. Dessa maneira, os textos não devem ser adaptados, mas os utilizados pelos nativos em sua prática diária. Os professores preparam as atividades de sala de aula com materiais autênticos encontrados em jornais, revistas ou qualquer outro material que mostre o uso cotidiano da língua estrangeira estudada. Não se restringe à competência comunicativa, à competência lingüística ou gramatical, mas ao conjunto de varias competências: a gramatical, a sociolingüística, a discursiva e a estratégica.
No enfoque comunicativo de ensino e aprendizagem de LE, o discurso literário volta a ser utilizado na sala de aula. Entretanto, o retorno ao espaço pedagógico se faz sob uma perspectiva textual: interessa pela sua tipologia textual (tipo de texto com as suas características). O discurso literário se insere no processo de ensino e aprendizagem de LE como um recurso que terá a mesma utilidade que qualquer outro material autêntico. Subutiliza-se o texto literário, transformando-o em mais um recurso para a prática da produção oral e/ou escrita, uma compreensão leitora de nível ascendente ou descendente ou a prática dos aspectos gramaticais. Não se costuma propor atividades que analisem as suas particularidades, os seus aspectos estilísticos.
Como o enfoque metodológico orienta a confecção dos livros didáticos, encontramos esta mesma subutilização do texto literário. Geralmente, quando o livro didático insere o texto literário, este está abrindo a unidade didática com uma atividade de compreensão leitora ou está no final, relacionando-se com o tema tratado durante a unidade, cujo objetivo é somente o de ilustrar um aspecto cultural de um determinado país ou região.
Especificamente no processo de ensino e aprendizagem de E/LE, alguns livros didáticos, inclusive os mais recentes, não costumam apresentar textos literários nos níveis iniciais. Acreditamos que esta prática se mantém pela crença oriunda das metodologias de caráter estruturalista de que o texto literário é um discurso difícil para o aluno. Dessa forma, os autores inserem o discurso literário sem qualquer proposta de atividade que considere as suas especificidades literárias ou, ainda pior, eles estão presentes sem nenhuma atividade proposta, como se fossem um acabamento estético que encerram a unidade apresentada.
Como muitas vezes são os livros didáticos que guiam a prática em aula do professor (ainda que não deve ser assim), e a as orientações metodológicas contidas nestes livros não orientam o professor sobre como eles devem utilizar o texto literário – enfatizando a sua natureza literária, encontramo-nos em um movimento circular: os livros didáticos não propõem atividades orientadas às especificidades do texto literário e, os professores, por sua vez, não as trabalham. Assim, não encontramos no espaço de sala de aula de E/LE atividades que valorizem o conteúdo estético do discurso literário, mostrando o aluno que ao ler este tipo de texto, deve utilizar estratégias diferentes das utilizadas ao ler os de outras tipologias. Dessa maneira, os livros didáticos e os professores vêem o discurso literário como ilustrativo e de difícil aceso e compreensão. Este círculo vicioso leva desde a sua inexistência a subutilização nas classes de E/LE.
O professor e o gênero literário
Uma vez analisado o motivo da escassa presença de atividades de compreensão leitora envolvendo o discurso literário nos livros didáticos de E/LE, centramos nossa pesquisa nos professores. Este passo é importante para saber se os professores utilizam o texto literário nas aulas de E/LE, como o utilizam e, finalmente, quais as competências que desenvolvem. Com estas respostas, podemos propor atividades de compreensão leitora que desenvolvam além da competência leitora a competência literária; ou seja, propor atividades que trabalhem além das estratégias de leitura, as especificidades do gênero. Assim, alcançaremos o objetivo final de nossa pesquisa que conscientizar o professor da importância da inserção do discurso literário nas aulas de E/LE. Dessa maneira, estaremos conscientizando o único elemento deste triângulo – método, livro didático e professor – que pode fomentar a aplicação das propostas que considerem a natureza específica dos textos literários com maior freqüência e, inclusive, com possibilidades de ampliar a sua utilização dentro do processo de ensino e aprendizagem de E/LE.
Dentro dessa proposta, apresentamos de setembro a outubro de 2005, um curso de capacitação sobre o tema para professores de E/LE da Secretaria Municipal de Ensino do Rio de Janeiro (SME/RJ), em um encontro com 20 h/a. O curso foi dividido em dois momentos: o primeiro teórico, em que apresentamos os suportes teóricos da leitura e os da análise do discurso que embasam a nossa proposta; o segundo, prático. Nesta segunda parte, trabalhamos propostas de leitura com textos literários de diversos sub-gêneros com as suas especificidades contratuais. Em uma primeira etapa, levávamos os textos e explicávamos como os professores poderiam trabalhar os textos, posteriormente, os próprios professores levavam os textos e produziam as suas questões. Inscreveram-se no curso 35 professores, mas somente 20, efetivamente, participaram.
Antes de iniciar o curso, pedimos aos professores que respondessem a um questionário para podermos saber como se dava a práxis docente com relação ao discurso literário. O questionário constava de duas partes: um com 17 assertivas sobre conceitos referentes à atividades de compreensão leitora como texto literário, com o objetivo de saber se tais conceitos faziam parte da atuação do professor na sala de aula e outra de aspectos de opinião com 30 assertivas. Todos os professores responderam o questionário. Sabemos que o número de participantes da pesquisa não é suficiente para que possamos tirar conclusões sobre o ensino do texto literário na sala de aula de E/LE na SME/RJ. Entretanto, permitem uma amostragem sobre o tema abordado em nossa pesquisa.
Neste trabalho, analisamos e comentamos, de maneira geral, somente o primeiro questionário respondido pelos professores. A análise foi feita pelo maior número de respostas idênticas obtidas na questão.
Pelas análises das respostas dos informantes, podemos observar que as atividades com o texto literário não ocupam o mesmo grau de importância que as de outros textos. A resposta para esta pergunta, a de n. 02, foi que raramente isto acontece, pois as atividades com as demais tipologias são mais utilizadas. Por isso, somente às vezes, o texto literário está presente nas atividades de compreensão leitora (pergunta n. 12) e é considerado também como material de difícil utilização em sala de aula (pergunta n. 5). Porém, esta resposta se contradiz com a resposta encontrada na questão n. 6, onde os informantes acreditam que o texto literário é sempre um elemento motivador. Se assim o é, porque ele não é utilizado mais vezes em sala de aula?
Outra contradição encontrada foi no que se refere à competência literária. Os professores responderam que as atividades propostas em sala de aula têm como objetivo desenvolver esta competência (pergunta n. 17). Inclusive afirmam que, com freqüência, nas atividades propostas há uma interação entre o gênero do texto e o leitor (pergunta n. 8) e que às vezes as propostas com os textos literários abarcam os aspectos formais, conforme a pergunta número 16 e o ponto de vista temático (pergunta n. 15). Contudo, afirmam, nas perguntas n. 10 e 04, que raramente desenvolvem propostas de atividades que abordem as especificidades do texto literário e, as respostas as perguntas n. 07 e 14 corroboram com esta assertiva. Na primeira, afirmam que freqüentemente as atividades desenvolvidas com o texto literário são as que priorizam as questões de aspectos lexicais e culturais, mas raramente priorizam os aspectos gramaticais do idioma, conforme a pergunta n. 11; na segunda, a pergunta n. 14, afirmam que as atividades propostas para a compreensão leitora são sempre as mesmas para qualquer texto, desconsiderando a tipologia do texto trabalhado. Ao não desenvolverem as especificidades do texto literário, as propostas de compreensão leitora apresentadas, conseqüentemente, também não trabalham a competência literária.
Acreditam também que os textos literários ou pertencentes a um cânone são, freqüentemente, os mais indicados para desenvolver a plenitude do leitor (pergunta n. 01) e que os textos literários, às vezes, facilita a apreensão dos conteúdos culturais, conforme a pergunta n. 3, além de ser um material que auxilia e enriquece o ensino de E/LE (pergunta n. 13).
Entretanto, a afirmação que justifica a exclusão do texto literário na sala de aula de E/LE pelos professores é a concepção de que as atividades com o texto literário raramente objetivam o desenvolvimento da competência leitora do aluno (pergunta n. 09). Essa assertiva explica porque ao formular de compreensão leitora, o professor não escolhe um texto literário: não percebe o discurso literário como um texto que se compreende a partir da leitura. Dessa maneira, o texto literário é utilizado para outras propostas, tais como cultura, léxico, mas não como uma tipologia a mais na compreensão leitora. Ao não propor atividades de leitura como texto literário, o professor de E/LE faz propostas que ignora o gênero literário e a questão tipológica, esquecendo-se que todos os gêneros são importantes se quisermos formar leitores autônomos, capazes de ler nas entrelinhas.
Considerações finais
Com esta pequena amostragem, observamos que as atividades de compreensão leitora com o texto literário não são comuns nas aulas de E/LE. Os textos literários têm, para os professores pesquisados, uma importância inferior a de outras tipologias. Segundo depoimentos dos professores, eles não utilizam o texto literário não porque eles não queiram, mas porque não sabem como fazê-lo ou porque não têm um modelo de propostas em que possam se espelhar. Uma possível solução está nos cursos de formação de professores de E/LE. Acreditamos que o questionamento sobre a ausência do texto literário nas aulas de E/LE deva estar presente desde a formação do futuro professor. Destarte, os cursos poderiam criar uma disciplina sobre o tema ou, então, inseri-lo nas aulas de prática de ensino, onde os alunos geralmente elaboram materiais didáticos. Em ambas as possibilidades, capacitariam os futuros docentes a trabalhar com propostas de atividades que incluíssem o texto literário. E, este seria o primeiro passo para estimular no futuro professor a inserção do texto literário em sua práxis.
Dessa maneira, o trabalho com o discurso literário em sala de aula de E/LE é capaz de transcender as propostas gramaticais, lexicais e culturais tão comumente encontradas nos manuais didáticos e desenvolver tanto a competência leitora quanto a literária do aprendiz.
Referências bibliográficas
AUSTÍN MILLÁN, Tomás R. Para comprender el concepto de cultura. Disponível em: http//www.menbers.lycos.co.uk/tomaustin/ant/ cultura.htm Acessado em 16/08/2003.
LAJOLO, Marisa. O texto não é pretexto. In: ZILBERMAN, Regina (org). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. 9ª ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988. p. 51-62.
SANCHEZ, Aquilino. Los métodos en la enseñanza de idiomas (evolución histórica y análisis didáctico). Madrid: SGEL, 2000.
SANTOS, Ana Cristina dos. El texto literario: aportaciones a la enseñanza del español como lengua extranjera. In: Actas del VI seminario de dificultades específicas para la enseñanza del español a lusohablantes. São Paulo: Consejería de Educación y Ciencia de la Embajada de España, 1998. p. 82-90.
SANTOS GARGALLO, Isabel. Lingüística aplicada a la enseñanza-aprendizaje del español como lengua extranjera. Madrid: Arcos Libros, 1999.
Anexo
As assertivas abaixo se referem a conceitos e/ou práticas pedagógicas. Considere na sua avaliação o quanto tais conceitos fazem parte de sua atuação em sala de aula. Então, com relação a cada aspecto indique: (1) não o pratico; (2) pratico-o raramente; (3) às vezes o pratico; (4) pratico-o com freqüência; (5) pratico-o sempre. (9) Prefiro não opinar a respeito.
Assertivas |
1 |
2 |
3 |
4 |
5 |
9 |
1. Textos literários ou pertencentes a um cânone são os mais indicados para desenvolver a plenitude do leitor. |
|
|
|
|
|
|
2. As atividades com o texto literário ocupam o mesmo grau de importância que as de outros gêneros |
|
|
|
|
|
|
3. O texto literário facilita a apreensão dos conteúdos culturais. |
|
|
|
|
|
|
4. As atividades com o gênero literário trabalham as especificidades do gênero. |
|
|
|
|
|
|
5. O texto literário é um material de difícil utilização em sala de aula. |
|
|
|
|
|
|
6. O texto literário é um elemento motivador em sala de aula. |
|
|
|
|
|
|
7. A atividade com o texto literário requer prioritariamente questões de aspectos lexicais e culturais |
|
|
|
|
|
|
8. Nas atividades de leitura há uma interação entre o gênero do texto e o leitor. |
|
|
|
|
|
|
9.As atividades com o texto literário visam desenvolver a competência leitora do aluno. |
|
|
|
|
|
|
10.Nas propostas de leitura com o texto literário há atividades sobre as especificidades do gênero literário. |
|
|
|
|
|
|
11. O texto literário é um instrumento para desenvolver aspectos gramaticais do idioma. |
|
|
|
|
|
|
12. Nas atividades de compreensão leitora os textos literários estão presentes. |
|
|
|
|
|
|
13. O texto literário é um material para auxiliar e enriquecer o ensino de ELE. |
|
|
|
|
|
|
14. As atividades de compreensão leitora são as mesmas para qualquer texto, independente de sua tipologia. |
|
|
|
|
|
|
15. As atividades com os textos literários abrangem o ponto de vista temático. |
|
|
|
|
|
|
16. As propostas com o texto literário abarcam aspectos formais (narração, descrição,...) |
|
|
|
|
|
|
17. As atividades com o texto literário visam desenvolver a competência literária do aluno. |
|
|
|
|
|
|
[1] Como a linguagem é um produto da vida social, a inclusão do discurso literário nas aulas de E/LE pode ser o único momento em que transitem personagens que dêem voz a um determinado grupo social minoritário, ignorado pelo poder e, por conseguinte, sem expressão nos manuais didáticos...
[2] “[La cultura] es el sustantivo común y abstracto “que describe trabajos y práctica de actividades intelectuales y específicamente artísticas, como en cultura musical, literatura, pintura y escultura, teatro y cine” es decir, se trata de un concepto de cultura que considera que esta se acrecienta en la medida que se eleva hacia las manifestaciones más altas del espíritu y la creatividad humana en las Bellas Artes” (Austín Millán, hipertexto: 2003).