A Filologia e a Análise do Discurso

Gilberto Nazareno Telles Sobral (UNEB / FIB)

 

O texto representa uma das principais fontes de pesquisa para estudiosos das mais diversas áreas do conhecimento. Dentre as ciências que nele encontram sua materialidade para estudo, estão a Filologia e a Análise do Discurso.

A Filologia é uma ciência antiga que se ocupa da linguagem das mais diversas formas. Segundo Auerbach (1972: 11), “uma das formas mais antigas, a forma por assim dizer clássica e até hoje considerada por numerosos eruditos como a mais nobre e a mais autêntica, é a edição crítica de textos”, que tem por finalidade restituir ao texto a sua originalidade, ou seja, aproximá-lo, o máximo possível, daquela que teria sido a forma desejada do seu autor.

A edição de textos, principalmente dos manuscritos antigos, caracteriza-se como uma operação extremamente importante ao seu perfeito entendimento, cuja leitura tornar-se-á mais fácil tanto ao pesquisador especializado quanto ao leitor comum. Editar é, dentre outros aspectos, disponibilizar um texto, que servirá de canal para algum estudo ou simplesmente para o conhecimento de determinado momento histórico.

Através desta atividade minuciosa e, muitas vezes, bastante solitária, uma grande documentação tem sido disponibilizada como fonte a estudiosos de diversas áreas do conhecimento.

A edição de determinados documentos está diretamente relacionada à preservação da história de um povo neles registrada, que se perde pelos estragos causados pelo tempo, pela interpolação de emendas ou por erros na sua transmissão. Outro problema são as precárias condições de muitos arquivos e bibliotecas onde estão guardados importantes documentos. No entanto, é importante observar que, muitas vezes, devido à falta de profissionais qualificados para a realização desta tarefa tão complexa, muitos resultados representam apenas cópias que nada podem contribuir para o resgate da realidade sócio-histórico-cultural de um povo.

Os textos podem sofrer modificações de duas ordens: aquelas derivadas da corrupção do material utilizado para registrar o texto e as derivadas do ato de reprodução do texto em si. Estas podem ser autorais, isto é, de responsabilidade do próprio autor, ou não-autorais (voluntárias ou involuntárias).

Enquanto o trabalho filológico desenvolveu-se, tradicionalmente, com o objetivo de fixar o texto enquanto materialidade e, a partir deste, encontrar o sentido nele contido, aceitando, assim, o caráter unívoco da língua, a Análise do Discurso trabalha com a língua em movimento, ou seja, com suas significações, considerando a relação entre o sujeito e a história como elemento constitutivo do sentido.

Segundo Foucault (2002: 7),

O documento, pois, não é mais, para a história, essa matéria inerte através da qual ela tenta reconstituir o que os homens fizeram ou disseram, o que é passado e o que deixa apenas rastros: ela procura definir, no próprio tecido documental, unidades, conjuntos, séries, relações.

É nesta articulação do lingüístico com o social que se inscreve a Análise do Discurso de Linha Francesa (AD), ciência da linguagem que emerge com Michel Pêcheux, na França, no fim dos anos 60, tendo o discurso como objeto de estudo. Pêcheux sugere um confronto entre as ciências, particularmente a história, a psicanálise e a lingüística. O discurso enquanto prática social, não individual, que somente pode ser analisado em seu contexto histórico-social, isto é, a partir de suas condições de produção, enquanto que o texto é o objeto empírico de análise do discurso, é a materialidade que tem o analista para encontrar, na sua superfície, as marcas, que servirão de pistas na sua investigação.

Segundo Pêcheux ([1975] 1997) não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz sentido.

O discurso é uma prática social determinada por uma formação ideológica e, ao mesmo tempo, lugar de elaboração e de difusão da ideologia. Essa definição fundamenta-se na distinção entre língua e discurso, entretanto não se pode deixar de considerar que a língua não possui caráter neutro em oposição à condição ideológica do discurso. Sabe-se que, ao contrário, no sistema da língua imprimem-se, historicamente, as marcas ideológicas do discurso. A diferença é que enquanto na língua as modificações processam-se lentamente, no discurso transparecem as mais sutis alterações da existência social (Bakhtin, [1929] 1997: 31-47).

Assim, o caráter social da linguagem é também a manifestação de uma ideologia que, no discurso, está condicionado às condições de produção (CP): o locutor fala de um lugar social, numa conjuntura sócio-histórica, que estabelece o que pode e deve ser dito, e, assim, constitui-se sujeito no discurso.

Coube a Pêcheux ([1975], 1997) estabelecer esta noção de Condições de Produção ao considerar os protagonistas do discurso não a presença física de “organismos humanos individuais”, mas a representação de “lugares determinados na estrutura de uma formação social, lugares cujo feixe de traços objetivos característicos pode ser descrito pela sociologia.”

Assim, pode-se afirmar que nenhum discurso é neutro e, também, que nele o sujeito apropria-se de outros discursos. Este interdiscurso é o que a AD chama de memória discursiva, isto é, a apropriação do já-dito para a construção do seu discurso. Portanto, todo discurso é construído a partir da memória (interdiscurso) e sua atualização (intradiscurso).

Todo este processo de construção do discurso passa pelo esquecimento, que, segundo Pêcheux ([1975], 1997), deve ser distinguido em duas formas: o esquecimento da ordem da enunciação, a partir de processos parafrásticos, e o esquecimento ideológico, quando o sujeito é afetado inconscientemente pela ideologia, acreditando ser a origem do que está dizendo, quando, na verdade, apenas retoma outros discursos.

Uma vez que a linguagem passa a ser estudada não somente como formação lingüística, que exige do falante uma competência lingüística, mas também como formação ideológica, que exige do falante uma competência sócio-ideológica, discurso e ideologia são conceitos que passam a ser articulados. Segundo Brandão (1997: 37), o discurso é uma das instâncias em que a materialidade ideológica se concretiza, isto é, é um dos aspectos materiais da “existência material” das ideologias.

Também importantes são as noções de formação discursiva – conjunto de enunciados marcados pelas mesmas regularidades, pelas mesmas “regras de formação”, e que determina “o que pode ser dito”, a partir de um lugar historicamente determinado – e formação ideológicaconjunto complexo de atitudes e representações que não são nem individuais, nem universais, mas dizem respeito, mais ou menos diretamente, às posições de classe em conflito uma com as outras.

Segundo Orlandi (2001: 15), a AD “concebe a linguagem como mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social”. Considerando-se o discurso a materialização entre o ideológico e o lingüístico, é nele que o homem torna-se sujeito, não apenas histórico, mas representante do discurso social. Logo, a noção de sujeito assume um papel de destaque neste novo modelo de estudo da linguagem, a qual passa a ser um importante lugar de construção da subjetividade. A AD defende uma visão histórica do sujeito, isto é, o sujeito fala de um determinado lugar e num determinado tempo. Esta noção de sujeito histórico está diretamente ligada à de sujeito ideológico, visto que o sujeito, representante consciente ou inconsciente do discurso social, ao produzir o seu discurso, além de considerar o outro, apropria-se de outros discursos.

Neste trabalho, apresentar-se-ão a edição de um documento manuscrito do século XVIII, documento manuscrito que compõe a Coleção de Documentos históricos do Arquivo Público Municipal da Cidade do Salvador, que apresenta dificuldades de leitura, e uma proposta de análise, a partir da manifestação da subjetividade, tomando como pistas os operadores discursivos e algumas marcas lexicais.

O manuscrito editado

Reg(is)t®o da Reprezentaçaõ q(ue) faz o enado a V(ossa) Mag(estad)e noq(ue) pede Licença para despen der de dinheiro das 3as aporsaõ necess(ari)a com as obras do Caiz Marathas, mais obras q(ue) seachaõ principiadas -

Senhora.

Este Senado q(ue) sempre teve a honra dee[x]por a V(ossa) Mag(estad)e com a mayor gratidaõ efidelidade as precizoens, que ocorrem embeneficio do publico, edos Povos, cuja fidelidade desde os primeiros reconhecimentos, que fizeraõ aos Predecesores de V(ossa) Mag(estad)e sempre conservaraõ ileza epura com aobediencia de Leaes Vassalos; por cuja razaõ os oberanos, que tem predominaddo esta Monarchia, empremio desta mesma fidelidade, tem concedido aeste Senado eaosMoradores desta Capital os mayores previlegios, izençoens, egraças, por cujos indultos tem recrecido no animo dos habitantes amayor pureza, elealdade ao direito da oberania; estes Povos tendo recebido dos Capitaens Generaes, e Governadores, que no Real Nome de V(ossa) Mag(estad)e os tem governado, crecidos beneficios, com os quais setem aumentado apopulacaõ onegocio, aagricultura, esubido ahum ponto deproduzir mayores intereces atoda a Monarchia, o publico eafortificaçaõ desta Cidade, o aceyo della tem igualmente recrecido pelas sabias, eprovidentes direçoens dos Ex(celentissi)mos Capitaens Generaes, q(ue) lhestem sido derigidos p(ar)a Governos, chegando os seus habitan tes excesivo numero vinte mil vezinhos, que todos sein teresaõ emfazer filis o estado defencivel afortificaçaõ; este Senado com os seus pequenos rendimentos tem concorrido para amayor parte damesma defença do aceyo publico das Pracas dos planos nec[ess]arios para a manobra [do] [e]xercicio das tropas nas subidas p(ara) a eminencia da Cidade alta [a]lta tem feito muros [naõ] so para egurança dos predeos dosmoradores mas em cazo dessa Cidade de mayor defença, servirem demontar as Artelharias, ecom esta fazer huma prompta defença ao Estado emgeral desta mesma Capitania.

Tem aditado algumas fontes dentro destes mesmos muros, para q(ue) anecesidade deagoa naõ faça violencia nas cazas ocorrentes aos mesmos moradores, tem demolido predios, quefaziaõ obstaculo mayor a mesma defença para assim segurar os intereces damesma Capitania; tem aberto ruas da cidade baixa para a cidade alta, fabricadas ja com osfins deserem uteis amesma fortificaçaõ pela naturalid(ad)e com que podem ser recavadas com mayor br[e]vidade para prohibirem o ingreço dequalquer asalto; porem a sua extinçaõ de Longetude, e Latitude tem bairros faltos deagoa ; algumas ruas ainda por compor os seus pasos ecalçadas, q(ue) precizaõ deavultada despeza para asua construçaõ, naõ havia huma Praça para o comercio, emenos hum caiz habil para o dezembarque; deuse principio destas taõ necessarias obras, que naõ o ficaõ ervindo p(ar)a o q(ue) referimos, mas tambem para Forte principal dade fença domar.

Deuse principio tambem agrande Praça da Piedade par[a] nella as Tropas regulares, e Auxiliares fazerem os necesarios exercicios; todas estas obras, estaõ incompletas evagarozos oseusfins, pela falta de meyos, eforças, comq(ue) este enado as posa terminar, por naõ chegarem os seus rendimentos auprir estas taõ uteis eavultadas despezas por ter outras igualmente crecidas como saõ ao pagar os oldos annuaes atrez argentos mores, e hum Ajudante do 4º Regimento Auxiliares desta Capital, cujos oldos importaõ em 1:56 $ 400 r(eis)

Igualmente faz huma consignaçaõ para sustentaçaõ dos expostos; apozentadorias delMinistros, easmais despezas deOficiaes doenado, gastos de Procisoens efestividades publicas todasfeitas emvirtude [das] R[ea]es or Ordens de V(ossa) Mag(estad)e p[ar]a terminar as obras expostas da Ruas, fortes, muros, cais dedezembarque, Praça do Comercio, e Praça dos exercicios Militares; roga aV(ossa) Mag(estad)e [...] facultar aeste Senado Licenca dedespender pelo arbitrio dos Ex(celentissi)mos Capitaens Generaes aquela porsaõ ded(inhei)ro das 3as quefor neces(a)r(i)a para o fim das propostas eutilisimas obras principiadas por serem conservad[os] estes mesmos dinheiros das 3as pelos Soberanos Monarchas desta Monarchia, nesta mesma Capital p(ar)a estas mesmas redificaçoens eampliaçoens desta cidade, porq(ue) deoutra orte enaõ podem finalizar pela indigencia, emq(ue) seve este Senado, q(ue) tem aplicado todas as suas forças eintereses posiveis amesma construção, para asim aformoziar, a beleza da Cidade, a defença della, e ficarem upridas asnecesidades d[ames]ma populaçaõ.

Os Cidadaons persi eem nome do Po[vo] suplicaõ aV(ossa) Mag(estad)e sedigne conferir lhe agraça que imploraõ para asim chegarem aos ultimos fins defelices ehonrados Vassalos. DEOS guarde aV(ossa) Mag(estad)e Bahia em Camara 24 de Mayo de 1789 Joaõ Sodre Per(eir)a // afez escrever Nicolau Pedro Victoria de Mendonça // Prezid(ent)e// Jose deSá de Albuquerque // Pedro da Cunha Barb(o)za de Nasc(iment)os // Rodrigo Sodre Pereira // Domingos Joze de Carvalho //

 

Os interlocutores

Neste contexto, locutor (L), aquele que assume o papel do “eu” na cena enunciativa, não é representado por apenas uma pessoa, mas por todos os representantes do Senado da Câmara, que, por serem autoridades do município, assumem um lugar especial, o de porta-voz do povo soteropolitano. O alocutário (AL), o “tu” da cena enunciativa, é a Rainha de Portugal, D. Maria I, a quem o locutor atribui o conhecimento e importância das necessidades explicitadas na carta.

A carta em análise foi encaminhada à Rainha de Portugal D. Maria I, em 24 de maio de 1789, com o objetivo de solicitar o direito de despender do dinheiro das terças para dar continuidade a obras na Cidade do Salvador.


 

Análise do corpus

Apesar de declararem-se Leaes Vassalos, cuja obediência conserva-se ileza e pura, os membros da Câmara marcam o lugar social de onde falam, visto que são merecedores de os mayores previlegios, izençoens, egraças, ficando subentendido que a fidelidade dos camaristas está diretamente condicionada aos privilégios concedidos pela Metrópole. Não se pode desconsiderar o fato de que, apesar de haver representantes da Rainha na colônia, quem realmente detinha o poder nas vilas e cidades eram os membros das Câmaras.

Destaca-se a importância do emprego da argumentação pelo exemplo, uma vez que os camaristas dão ênfase a uma ação de Reis antecessores, que desejavam ver imitada pela Rainha, isto é, a concessão de privilégios.

... Senhora Este Senado q(ue) sempre teve a honra dee[x]por a V(ossa) Mag(estad)e com a mayor gratidaõ efidelidade as precizoens, que ocorrem embeneficio do publico, edos Povos, cuja fidelidade desde os primeiros reconhecimentos, que fizeraõ aos Predecesores de V(ossa) Mag(estad)e sempre conservaraõ ileza epura com aobediencia de Leaes Vassalos; por cuja razaõ os soberanos, que tem predominado esta Monarchia, empremio desta mesma fidelidade, tem concedido aeste Senado eaosMoradores desta Capital os mayores previlegios, izençoens, egraças, por cujos indultos tem recrecido no animo dos habitantes amayor / pureza, elealdade ao direito da Soberania;...

Na seqüência da cena enunciativa, há um relato de como a cidade vinha desenvolvendo-se, que resultava num estado de satisfação da população. As adjetivações sabias e providentes atribuídas às atividades administrativas dos representantes da rainha representam um julgamento de valor feito pelos camaristas à administração dos Capitães Generais. Em se tratando de um período em que a população baiana e, principalmente, os “homens bons” ainda se ressentiam pelo fato de Salvador perder o status de capital da Colônia, transferida para o Rio de Janeiro em 1763, estes juízos de valor podem ser compreendidos apenas como uma marca de subjetividade, que no discurso expressa uma certa harmonia entre a administração local e os administradores da Colônia, mas também como uma maneira de não demonstrar tal ressentimento e de evidenciar que a Bahia ainda gozava de prestígio político no cenário nacional, visto que alguns setores e, principalmente, a defesa da cidade, que era um importante acesso por mar à colônia, mantiveram um desenvolvimento normal. Criava-se, então, a imagem de uma cidade que, apesar de não mais ser a Capital da Colônia e de seus pequenos recursos financeiros, crescia e se desenvolvia satisfatoriamente.

... o aceyo della tem igualmente recrecido pelas / sabias, eprovidentes direçoens dos Ex(celentissi)mos Capitaens Generaes, q(ue) / lhestem sido derigidos p(ar)a Governos, chegando os seus habitan / tes ao excesivo numero vinte mil vezinhos,...

Na seqüência, destacam-se algumas marcas de subjetividade, que reafirmam a posição do locutor em relação à situação apresentada. O Senado não tem a verba necessária porque sua renda, apesar de pequena, já estava comprometida com outras tantas obras e, no momento, tratava-se de uma avultada despeza, logo longe das possibilidades da Câmara. Em emenos hum caiz habil para o dezembarque está subentendido que nenhum cais existente na cidade tem a serventia necessária. Este argumento é logo em seguida reforçado, pois trata-se de taõ necessarias obras. Neste momento, vários operadores argumentativos emergem, ampliando a força dos argumentos apresentados. O uso do operador argumentativo porem marca no discurso a introdução de um novo argumento que irá conduzir a argumentação no sentido de que, apesar de todo desenvolvimento anteriormente relatado, ainda havia outras melhorias necessárias, chegando, finalmente, ao objetivo desta carta, que é a solicitação de verba para as tais obras, ou seja, a argumentação é orientada numa outra perspectiva. Há ordem régia para terminar as obras.

O operador argumentativo naõ so.... mas tambem finalmente consagra a importância da obras, pois evidencia a sua dupla importância. Segundo Guimarães (2001:123), trata-se de um operador de pouca freqüência, cuja utilização ocorre em textos de registros mais formais ou com grande caracterização argumentativa.

Tem aditado algumas fontes dentro destes mesmos muros, para q(ue) anecesidade deagoa naõ faça violencia nas cazas ocorrentes aos mesmos moradores, (...) porem a /sua extençaõ de Longetude, e Latitude tem bairros / faltos deagoa (...); deuse principio / aestas taõ necessarias obras, que naõ so ficaõ servindo p(ar)a / o q(ue) referimos, mas tambem para Forte principal dade / fença domar Deuse principio tambem agrande / Praça da Piedade par(a) nella as Tropas regulares, e / Auxiliares fazerem os necesarios exercicios; ...

Na seqüência, locutor (L) reapresenta o objetivo desta carta, que é a solicitação de verba, reforçando a sua importância com o acréscimo de uma adjetivação intensificada: as despesas que anteriormente eram avultadas agora também são taõ uteis.

...asuprir estas taõ uteis eavul / tadas despezas...

A análise das expressões anteriores demonstra que não há nenhuma neutralidade por parte dos camaristas ao discriminarem os seus próprios feitos, o que reforça a intenção do locutor (L) em não haver diminuição da importância política da Câmara de Salvador com a transferência da capital da Colônia para o Rio de Janeiro.

Por fim, após um discurso tão persuasivo, o locutor (L) assume uma posição de humildade perante o alocutário, pois ele roga. Ainda assim conclui sua argumentação mais uma vez reafirmando a necessidade das obras, anteriormente qualificadas como uteis, habil e necessaria, desta vez reforçada pela adjetivação utilissimas, cujo grau do adjetivo consagra definitivamente a sua importância.

... roga / aV(ossa) Mag(estad)e (...) facultar aeste (...) neces(a)r(i)a pa / ra o fim das propostas eutilisimas obras principiadas por / serem conservad(os) estes mesmos dinheiros das 3as pelos ...

Embora com olhares distintos sobre um mesmo texto, observa-se a grande contribuição da interdisciplinaridade entre os estudos filológicos e os estudos lingüísticos para o conhecimento da língua, principalmente em se tratando de textos de outros séculos, que exigem do pesquisador um conhecimento especializado.

 

Referências BIBLIOGRÁFICAS

AUERBACH, Erich. Introdução aos estudos literários. Tradução José Paulo Paes. 2ª ed. São Paulo: Cultrix, 1972. 1ª parte/A Filologia e suas diferentes formas. p.11-18.

BAKHTIN, Mikhail (V. N. Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 8ª ed. São Paulo: Hucitec, 1997.

CÂMARA MUNICIPAL DE SALVADOR. Cartas do Senado a Sua Magestade. Salvador: Câmara Municipal/ Fundação Gregório de Matos, 1994/1996. Documentos Históricos do Arquivo Municipal.v. 9/10.

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.

GUIMARÃES, Eduardo. Texto e argumentação: um estudo de conjunções do português. São Paulo: Pontes, 2001.

ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2001.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. 3ª ed. Tradução Eni Orlandi et alli. Campinas: EDUNICAMP, 1997.