A
LINGUAGEM
COMO
TRAÇO
ESSENCIAL
DO HOMEM:
A
PESQUISA
GEOLINGÜÍSTICA
Márcia Regina Teixeira da
Encarnação
(USP)
Adriana Cristina Cristianini (USP e UNIBAN)
Considerações
iniciais
A
Pátria
não
é a
raça,
não
é o
meio,
não
é o
conjunto
dos
aparelhos
econômicos
e
políticos:
é o
idioma
criado
ou
herdado
pelo
povo.
(Olavo Bilac)
O
estudo
da
linguagem
humana
sempre
despertou
curiosidade
e
interesse
nas
mais
diferentes
culturas
e
sociedades
em
todos
os
períodos
históricos,
dada
a
sua
importância
em
registrar
todas as
possíveis
variações, sejam
elas,
diacrônicas, sincrônicas, diatópicas, diafásicas
ou
qualquer
outra
que
venha a
ser
objeto
de
estudo
de
pesquisadores.
Quando
buscamos
encontrar
uma
realidade
social,
encontramo-la no
universo
da
língua,
pois
é
através
dela
que
visualizamos o
universo
antropocultural de
um
determinado
grupo.
Segundo
Saussure, (1959: 103) “é o
vocabulário
que
reflete
mais
diretamente
o
meio
ambiente
físico
e
social
dos
que
falam”.
É
importante
acrescentar
que
as mudanças ocorrem
com
maior
freqüência
no
campo
lexical,
pois
é
aqui
que
se
manifesta
lingüisticamente a
expressão
do
meio
social
que
está
em
constante
variação.
Ao estudarmos o
léxico,
concordamos
com
Vilela (1994: 6)
que
afirma
que:
O
léxico
é a
parte
da
língua
que
primeiramente
configura a
realidade
extralingüística e
arquiva
o
saber
lingüístico
duma
comunidade.
Avanços
e recuos civilizacionais,
descobertas
e
inventos,
encontros
entre
povos
e
culturas,
mitos
e
crenças,
afinal,
quase
tudo,
antes
de
passar
para
a
língua
e
para
a
cultura
dos
povos,
tem
um
nome
e
esse
nome
faz
parte
do
léxico.
O
léxico
é o
repositório
do
saber
lingüístico
e é
ainda
a
janela
através
da
qual
um
povo
vê
o
mundo.
Um
saber
partilhado
que
apenas
existe na
coincidência
dos
falantes
duma
comunidade.
Reitera-se
que
a
natureza
dos
estudos
de
base
lexical,
por
sua
natureza
básica,
seja a de
estabelecer,
organizar
e
veicular
os
signos
na
relação
do
homem
com
o
mundo
que
o
rodeia,
e
assim,
instrumentam
um
maior
e
melhor
conhecimento
da
língua
falada,
ao
mesmo
tempo
em
que
nos
propiciam o
reconhecimento
das
diferenças
culturais
que
compõem a
realidade
de
um
mesmo
país.
Na
segunda
metade
do
século
XIX,
muitos
lingüistas
se debruçaram
sobre
os
fenômenos
mais
diretamente
ligados ao
uso
que
os
falantes
fazem da
língua
e nas determinadas
regiões
em
que
eles
ocorrem. Surgiram,
então,
a
partir
do
princípio
de
que
a
língua
é
um
sistema
de
interação
entre
o
indivíduo
e a
sociedade
em
que
ele
atua,
novos
campos
de
reflexão
e de
pesquisa.
A
Dialetologia
e a Geolingüística
A
Dialetologia
é proveniente da
palavra
grega
dialektos
que
significa
diferença,
diversidade.
É o
estudo
sistemático
das
diferenças
regionais
de uma
determinada
língua.
A Geolingüística é o
método
da
Dialetologia
que
estuda
a variação
lingüística
em
suas
várias
manifestações
dentro
de
um
espaço
determinado.
Segundo
Borba (1976, p.54),
Geolingüística é
um
método
de
pesquisa
lingüística
que
se propõe
reconhecer
as
áreas
de
extensão
dos
fatos
lingüísticos
(fonéticos,
morfológicos,
sintáticos
e
léxicos).
Como
a
posição
e a
distribuição
destes no
espaço
obedecem a determinadas
causas,
a
pesquisa
de Geolingüística tende a transformar-se numa
indagação
histórica,
com
base
geográfica,
tornando-se,
então,
importante
para
a
lingüística
diacrônica.
Por
exemplo,
demonstra o
que
separa,
com
o
tempo,
as
línguas
aparentadas e o
que
aproxima as
línguas
não
aparentadas. Serve
para
a
interpretação
histórica
dos
fatos
da
língua,
mas
tem
base
diacrônica,
pois
a
pesquisa
se faz na
língua
atual,
em
determinado
estado.
Os
conjuntos
são
distribuídos
em
mapas,
cujo
conjunto
forma
um
atlas
lingüístico.
A
Dialetologia
é a
disciplina
que
assumiu a
tarefa
de
descrever
os
diferentes
dialetos
em
que
a
língua
se diversifica no
espaço
e de
lhes
estabelecer
limites.
A Geolingüística
ou
Geografia
Lingüística,
segundo
Dubois (1978: 307), “é o
estudo
das variações na
utilização
da
língua
por
indivíduos
ou
grupos
sociais
de
origens
geográficas
diferentes”.
Podemos
também
ver
a Geolingüística
como
um
estudo
cartográfico dos
dialetos,
como
nos
mostra
Iordan (1962: 273) ao
afirmar
que
“A
geografia
lingüística
significa a
representação
cartográfica do
material
lingüístico
com
o objectivo de
determinar
a
repetição
topográfica
dos
fenômenos”.
Segundo
Coseriu (1979: 103):
En la terminología
técnica
de la
lingüística
actual, la expresión ‘geografía
lingüística’
designa
exclusivamente
un
método
dialectológico y
comparativo
que
ha llegado a tener extraordinario desarrollo en nuestro siglo,
sobre
todo
en el
campo
románico, y
que
pressupone el
registro
en
mapas
especiales
de un
número
relativamente
elevado
de
formas
lingüísticas
(fónicas, léxicas o
gramaticales)
comprobadas
mediante
encuesta directa y unitaria en
una
red de puntos de un territorio
determinado,
o,
por
lo
menos,
tiene en cuenta la distribución de las
formas
en el espacio
geográfico
correspondiente a la lengua, a las lenguas, a los dialectos o a los hablares
estudiados.
Dessa
forma,
é
possível
visualizar
as
relações
entre
o
ambiente
geográfico
e a
difusão
e
distribuição
espacial
dos
fenômenos
lingüísticos,
verificando-se a
norma
diatópica da
localidade.
É o
registro
do
material
coletado
em
cartogramas
lingüísticos
que,
compilados, constituem os
atlas
lingüísticos.
A
idéia
de se apresentarem os
resultados
em
forma
de
atlas
surgiu
quase
espontaneamente,
por
facilitar
com
uma
vista
de
olhos
as
particularidades
de
um
dialeto.
Se comparado
com
o
estudo
dos
glossários,
foi
um
passo
à
frente
nos
estudos
dialetais,
pois
por
meio
de
um
cartograma
lingüístico
podemos
visualizar,
de
maneira
sinóptica, as
variedades
lingüísticas
de
determinada
lexia
em
uma
dada
área
geográfica.
Considerando
que
a
idéia
de
norma
está
definitivamente
caracterizada
pela
presença
da
alta
freqüência
e
pela
distribuição
regular
das variações
em
uma
comunidade
lingüística,
e
que
cabe à Geolingüística a
descrição
das variações diatópicas, poderemos
especificar,
por
meio
das
respostas
obtidas de
entrevistas
aplicadas a
sujeitos
de
um
certo
grupo
numa
dada
localização,
a
norma
característica
do
local,
além
de
precisar
a
repetição
topográfica
dos
fenômenos
observados
em
cartogramas.
É
importante
frisar
que
devemos
chamar
a Geolingüística de “método”
e
não
“ciência”,
pois
se
trata
de
um
novo
processo
de
estudo
da
linguagem
humana.
A
Dialetologia,
investigação
científica
dos
dialetos,
já
existia
antes
da
criação
da Geolingüística,
embora
se utilizassem
outros
meios.
Antes
da Geolingüística,
entretanto,
segundo
Iordan (1962: 199):
[...] as
particularidades
características
do dialecto estudado eram comparadas
com
as da
língua
comum
(eventualmente
com
as de
outros
dialectos) e explicadas
com
auxílio
dos
métodos
tradicionais da
gramática”
e,
além
disso, “[...]
investigações
no
material
recolhido
sob
a
forma
de
glossários
por
diletantes
que
não
tinham
qualquer
qualificação
científica
para
tais
trabalhos.
Muitas
vezes,
por
isso,
o
valor
desses
trabalhos
sobre
determinado
dialeto
era
diminuto.
É
apenas
no
século
XIX
que
surge
um
trabalho
mais
sistemático
da variação diatópica,
apesar
de
vários
estudos
sobre
o
uso
da
língua
terem sido
desenvolvidos
anteriormente.
Os
precursores
da Dialetologia
e da Geolingüística
Antes
do
surgimento
dos
estudos
dialetológicos de
caráter
sistemático,
alguns
fatos
isolados ocorreram, na Inglaterra, na Alemanha e na França, a
saber:
Na Inglaterra, Chaucer usou o
inglês
do
norte
nos
contos
de Reeve de
modo
cômico
e William Shakespeare identificou o gaulês Fluellen –
personagem
de Henry V,
oficial
do
exército
do
rei,
um
tipo
ridículo,
com
temperamento
forte,
acentuado
por
seu
sotaque
“curioso”.
Na Alemanha, a
gramática
do
dialeto
bávaro,
escrito
por
Johann Andréas Schmeller, publicada
em
1821 – Die Mundarten Bayerns grammatisch dargestellt – possui uma
coletânea
de
contos,
canções,
diálogos,
provérbios
e
um
estudo
comparativo
de
fonética
e
morfologia
do
dialeto
rural
bávaro
e dos
falantes
considerados
cultos,
urbanos.
Na França,
em
1790, o
bispo
constitucional
de Blois e
também
deputado
da
assembléia
nacional,
Henri-Baptiste Grégoire, redige e envia uma
circular
destinada a
verificar
a
vitalidade
dos
dialetos,
mas
na
verdade,
o
que
realmente
pretende é
apresentar
um
projeto
de
extinção
dos patois à
Convenção
em
nome
dos
ideais
de
igualdade
e
fraternidade.
Em
1794,
baseado
nas
respostas
recebidas, apresenta
um
relatório
sobre
as
necessidades
de se
destruir
os
dialetos.
A
Convenção,
que
antes
decretara
providências
para
a
unificação
lingüística
do
país,
apenas
determina
que
a
Comissão
de
Instrução
Pública
apresente
um
relatório
sobre
a
elaboração
de uma
gramática
e de
um
vocabulário
atualizados da
língua
francesa e
não
toma
nenhuma
atitude
com
relação
aos patois.
Em
1804,
com
a
criação
da
Academia
Céltica,
cujo
objetivo
era
o
estudo
das raízes culturais francesas,
inclusive
as de
natureza
lingüística,
os
dialetos
são
considerados “monumentos
de
Antiguidade”.
O
princípio
da
Dialetologia,
no
seu
espectro
mais
amplo,
tem
dois
marcos
que
imprimem as primeiras e
principais
diretrizes
para
trabalho
de
tal
natureza:
o
levantamento
de
dados
da
realidade
alemã
feito
por
Wenker e a
recolha
sistemática
para
o
Atlas
Linguistique de la France (ALF), de
Gilliéron e Edmont.
O
surgimento
dos
Atlas
lingüísticos
O
Atlas
de Georg Wenker
Wenker
propôs-se a
investigar
o
estrato
fonético
da
língua
a
fim
de
demonstrar
a
existência
de
fronteiras
dialetais.
Envia
um
questionário
de 335
palavras
agrupadas
em
40
frases
curtas a
professores
e a
pessoas
cultas, elaborando,
posteriormente,
cartas
com
as
respostas
obtidas.
Documenta
a
realidade
dos
usos
que
se registram na Alemanha – 40.736
localidades
com
um
total
de 44.251
respostas
coletadas - recobrindo,
assim,
ampla
extensão
do
território.
Sem
controle
sistemático
de
variáveis
sociais,
verifica-se
que
faixa
etária
e
sexo
não
foram pré-determinados e
nem,
a posteriori, podem
ser
estabelecidos. Da
escolaridade
dos informantes,
porém,
e
pelo
fato
de terem sido os
questionários
encaminhados aos inspetores
regionais
de
escolas
que
os passavam aos
instrutores,
tem-se a
dimensão:
as
respostas
foram dadas
por
letrados,
responsáveis
pelo
ensino
na
região
e podem,
ainda,
contemplar
a
contribuição
de
outros
aos
quais
tenham recorrido
esses
informantes
básicos.
Essa
primeira
investida
ressente-se
não
apenas
da
ausência
de
controle
de
variáveis
socioculturais dos informantes,
mas
também,
e,
sobretudo,
reflete as
dificuldades
advindas de uma
coleta
de
dados
feita
por
correspondência,
o
que
significa
não
observados in
loco,
com
profundas
implicações
para
o
tratamento
de
informações
fonéticas.
Tem,
porém,
o
mérito
de
dar
um
passo
significativo
para
o
avanço
da
Dialetologia:
a
documentação
de
fatos
em
distintas
regiões
com
possibilidade de serem interrelacionados. A intercomparabilidade de
dados
espacialmente
dispostos
vai-se
constituir,
assim,
numa das
prerrogativas
dos
estudos
dialetais
a
qual
tem superado a
linha
do
tempo
e, de
certo
modo,
garantido o continuum desse
tipo
de
investigação.
Para
isso,
apropriadamente,
chama
a
atenção
Rossi (1969: 87-8), afirmando
que:
(...) a
Dialetologia
é uma
ciência
eminentemente
contextual,
isto
é, (...) o
fato
apurado num
ponto
geográfico
ou
numa
área
geográfica
só
ganha
luz,
força
e
sentido
documentais na
medida
em
que
se
preste
ao
confronto
com
o
fato
correspondente
– ainda
que
por
ausência
– em
outro
ponto
ou
em
outra
área
(...).
Tal
virtude
teve a
recolha
de Wenker – são
dados
que
reúnem a
documentação
de
fatos
em
diferentes
áreas
-
nada
obstante
e
até
o
presente
não
se
ter
alcançado uma
ampla
divulgação
de
resultados,
dos
quais
os
primeiros
foram publicados
em
1881,
em
Strassburg,
sob
o
título
Sprachatlas des Deutschen Reichs,
com
um
conjunto
de
seis
cartas,
duas
fonéticas
e
quatro
morfológicas, constituindo o
fascículo
inicial
do Sprachatlas von Nord-und Mitteldeutschland, auf Grund von systematisch mit
Hülfe der Volksschuler gesammeltem
Material
aus
circa
30.000 Orten.
Se Wenker abre
caminho
para
uma
pesquisa
diatópica
ampla,
permitindo a intercomparação de
fatos
de uma
região
com
outras, o
mérito
de
consolidar
definitivamente
o
método
de
recolha
dos
dialetos
geográficos
vai
recair
sobre
Jules Gilliéron
que,
em
1887, inicia a
coleta
de
dados
para
o
Atlas
Linguistique de la France (ALF)
(1902-1910).
O
Atlas
Lingüístico
da França - Jules Guilliéron
O suíço Jules Gilliéron (1854-1926)
apresentou-nos a Geolingüística
como
método
de
pesquisa
e
representação
dos
fenômenos
lingüísticos
em
mapas.
Iniciou
seus
estudos
de
Dialetologia
na École Pratique
dês
Hautes Études
em
1883.
O
trabalho
de Gilliéron possibilitou a
constatação
da complexidade da
evolução
lingüística,
provando
que
a
língua
falada
está, muitas
vezes,
distante
da
língua
escrita
e pôde-se, a
partir
daí,
ter
uma
idéia
concreta
dos
fatores
que
influem na
evolução.
O
Atlas
Lingüístico
da França (ALF), concluído
em
1910, contou
com
uma
pesquisa
dialetal
baseada
num
amplo
questionário
aplicado
em
639
localidades
francesas
pelo
seu
inquiridor Edmond Edmont
que
trabalhou
quatro
anos
e
meio,
fazendo
levantamento
morfológico,
sintático
e
léxico,
resultando
em
2.000
mapas
e 10
volumes
in-folio. As
localidades
escolhidas seguiram
um
critério
quase
que
geométrico,
localizadas a uma
distância
mais
ou
menos
igual
entre
si
e a
transcrição
fonética
era
minuciosa
a
fim
de
não
alterar
a
impressão
acústica
recebida
pelo
inquiridor.
Sua
principal
contribuição
metodológica está no
fato
de basear-se na
documentação
in
loco,
no
caso
específico,
recolhida
por
um
único
pesquisador,
Edmond Edmont.
As
variáveis
sociais,
embora
sejam depreensíveis a
partir
do
exame
do
perfil
dos
sujeitos,
não
comparecem registradas nas
cartas
e,
também,
não
foram programaticamente definidas.
Assim,
observa-se
que
as
idades
se estendem dos 15 aos 85
anos;
a
presença
de
sujeitos
do
sexo
feminino
é
bastante
reduzida e,
conseqüentemente,
assimétrica
em
relação
ao
número
de
sujeitos
do
sexo
masculino;
e,
finalmente,
o
nível
de
escolaridade
vem a
ser
identificado
por
dedução
das
categorias
de
sujeitos:
os
que
têm
profissão
que
supõe
instrução
secundária
e
aqueles
cuja
ocupação
indica a
necessidade
apenas
de
instrução
primária.
Depois
do ALF e dos
estudos
feitos
por
Gilliéron
sobre
os
dados
nele contidos, uma
nova
visão
do
tratamento
do
fenômeno
da variação se estabelece,
pois,
no
dizer
de Rossi (1980: 95)
(...)
não
apenas
a regularidade
absoluta
das modificações
fonéticas
recebia o
tiro
de
misericórdia,
mas
o
mesmo
acontecia ao
mito
do
dialeto
como
unidade
de
desenvolvimento
histórico
ininterrupto,
orgânico
e
autônomo,
preservada ao
longo
de
séculos
de
interferências
de
outros
dialetos.
Segundo
Rossi (1980), a
obra
de Gilliéron,
apesar
de recebida
com
reservas
por
alguns
lingüistas
da
época,
como
Maurice Grammont, Édouard Bourciez, Jules Ronjat e Georges Millardet, colocou
em
discussão
a complexidade do
fenômeno
lingüístico
tanto
na
perspectiva
sincrônica
como
diacrônica
e teve o
mérito
de
marcar
o
início
da
aplicação
do
método
da Geolingüística
com
rigor
científico.
Esta
obra
motivou a publicação de
atlas
lingüísticos
de
outros
países,
como
veremos, e convém
assinalar
aqui
que
a
pesquisa
de Geolingüística
não
termina
com
a
elaboração
dos
atlas
e
que
esses
são
apenas
instrumentos
de
trabalho
de
leitura
e
interpretação
das
cartas,
cujas
conclusões
são
posteriormente
estudadas.
A Geolingüística e
sua
repercussão no Brasil
Os
estudos
dialetais
começam no Brasil, tendo
como
precursor
Domingos
Borges de
Barros,
o
Visconde
de
Pedra
Branca,
que,
a
pedido
do
geógrafo
Vêneto Balbi, escreve,
em
1826,
um
capítulo
para
o
livro
Introduction à l’Atlas
ethnographique du globe
em
que
mostra
características
da
língua
portuguesa
falada
no Brasil.
Ferreira
e Cardoso (1994: 37) dividem
em
três
fases
os
estudos
dialetais
no Brasil.
A
primeira
fase
Tem
como
marco
inicial
a publicação de
Visconde
de
Pedra
Branca,
em
1826 e termina
em
1920,
com
a publicação de O Dialeto Caipira de Amadeu Amaral. Caracteriza-se pelas
numerosas
obras
de
caráter
lexicográfico e das
particularidades
do
Português
do Brasil.
As
obras
publicadas neste
período
são
dicionários,
vocabulários
e
léxicos
regionais.
A
segunda
fase
Caracteriza-se
pela
predominância
de
estudos
gramaticais,
embora
ainda
se produzam
numerosos
estudos
de
natureza
lexicográfica. Nas primeiras publicações
ainda
mantém as
características
descritivas da
primeira
fase,
mas
logo
começam a
aparecer
obras
que
vão,
não
apenas
levantar
dados,
mas
também
discutir
as variações do
português
falado
no Brasil e a “preocupação
com
uma
metodologia
de
abordagem
voltada
para
o
exame
da
realidade
considerada
nos
seus
diferentes
aspectos”
Ferreira
e Cardoso (1994: 39). Nessa
linha,
merecem
destaque
dois
trabalhos
do
início
dessa
fase:
O
Dialeto
Caipira
de Amadeu Amaral (1920) e O
Linguajar
Carioca,
de Antenor
Nascentes,
publicado
em
1922.
A
terceira
fase
Inicia-se no
ano
de 1953, tendo
como
finalidade
o
desenvolvimento
e a
efetiva
implantação
dos
estudos
geolingüísticos no Brasil, supondo-se a
urgência
na
consecução
do
Atlas
Lingüístico
Nacional.
Essa necessidade da elaboração de Atlas Lingüística Brasileira foi favorecida
pela
regulamentação do
Decreto
nº 30.643 de
março
de 1952
em
que
em
seu
Artigo
3º,
como
principal
finalidade
da
Comissão
de
Filologia
da
Casa
Rui Barbosa, trazia a
elaboração
do referido
Atlas.
Regulamentada
pela
Portaria
nº 536, de 26 de
maio
do
mesmo
ano,
foi
criado,
então,
o
Centro
de
Pesquisas
Casa
de Rui Barbosa.
Antenor
Nascentes
publica uma
obra
em
2
volumes
(1958-1961), intitulada
Bases
Para a Elaboração do
Atlas
Lingüístico
do Brasil,
em
que
fornece as
diretrizes
gerais
para
a
efetiva
pesquisa
de
campo,
dando
indicações
para
a
escolha
dos
pontos,
dos
sujeitos
e
também
para
a
elaboração
do
questionário
lingüístico
a
ser
aplicado.
Na
década
de 50, valiosas
contribuições
foram
feitas
para
o
desenvolvimento
da Geolingüística no Brasil,
entre
elas
está a
idéia
da
elaboração
do
atlas
lingüístico
nacional,
na
concepção,
defendida
pelos
principais
filólogos da
época,
de
que
uma
empreitada
de
tal
porte
só
poderia
ser
concebida partindo de
atlas
regionais
e,
ainda,
por
último,
mas
não
menos
importante,
a
criação
de
princípios
gerais,
um
tipo
de
cartilha
para
direcionar
e
unificar
a
pesquisa,
tornando o
trabalho
científico,
direcionado e
único
em
todo
o
território
nacional.
Nascentes
(1958) indica uma
série
de
tarefas
que
considera
importante
para
a concretização dos
estudos
dialetais:
1. a
realização
de sondagens
preliminares;
2.
recolha
de
vocabulário
seguindo as
exigências
técnicas;
3.
elaboração
de
monografias
etnográfico-lingüísticas
sobre
determinadas
áreas
semânticas
e
sobre
determinados
falares
da
região;
4.
elaboração
de
atlas
regionais;
5.
elaboração
de
Atlas
Nacional
Estas postulações
são
utilizadas
até
os
dias
de
hoje
nas
pesquisas
geolingüísticas. Tivemos, no Brasil,
até
agora
a
elaboração
dos
seguintes
atlas
lingüísticos:
1-
Atlas
Prévio
dos
Falares
Baianos
– APFB,
em
1963;
2-
Esboço
do
Atlas
Lingüístico
de
Minas
Gerais
– EALMG,
em
1977;
3-
Atlas
Lingüístico
da Paraíba,
em
1984;
4-
Atlas
Lingüístico
do Sergipe,
em
1987;
5-
Atlas
Lingüístico
do
Paraná,
em
1994;
6-
Atlas
Lingüístico
do Sergipe II,
em
2002;
7-
Atlas
Lingüístico-Etnográfico da
Região
Sul
do Brasil,
em
2002;
8-
Atlas
Lingüístico
Sonoro
do
Pará,
2004;
9-
Atlas
Lingüístico
do
Amazonas,
2004.
Temos,
em
fase
de
elaboração,
os
seguintes
atlas:
·
Atlas
Lingüístico
do Brasil;
·
Atlas
Etnográfico do
Acre;
·
Atlas
Lingüístico
do Ceará;
·
Atlas
Lingüístico
do Maranhão;
·
Atlas
Lingüístico
do
Mato
Grosso;
·
Atlas
Lingüístico
do
Mato
Grosso
do
Sul;
·
Atlas
Geo-sociolingüístico do
Pará;
·
Atlas
Lingüístico
do
Rio
Grande
do
Norte;
·
Atlas
Etnolingüístico dos
pescadores
do
Estado
do
Rio
de
Janeiro;
·
Atlas
Lingüístico
do
Estado
de
São
Paulo;
·
Atlas
Lingüístico
do
Paraná
II.
Também
foram realizados
estudos
geolingüísticos
que
resultaram
em
dissertações
e
teses,
dentre
os
quais,
podemos
citar:
1-
Bueno,
T. R.
Exame
do
gênero
feminino
em
documentos
geolingüísticos
brasileiros
no
período
de 1957 a 1994. 2002. 83 p.
Dissertação
(Mestrado
em
Lingüística)
Faculdade
de
Filosofia,
Letras
e
Ciências
Humanas da
Universidade
de
São
Paulo,
São
Paulo, 2002.
2-
Encarnação,
M. R. T. da.
Estudo
geolingüístico de
aspectos
semântico-lexicais nas
comunidades
tradicionais do
município
de Ilhabela. 2005 167 p +
anexos.
Dissertação
(Mestrado
em
Lingüística)
Faculdade
de
Filosofia,
Letras
e
Ciências
Humanas da
Universidade
de
São
Paulo,
São
Paulo, 2005.
3-
Imaguire, L. M. C.
Estudo
com
vistas
a
um
atlas
lingüístico
da
Ilha
de
Santa
Catarina:
abordagem
dos
aspectos
lexicais.
1999. 2v +
anexos.
Dissertação
(Mestrado
em
Lingüística)
Faculdade
de
Filosofia,
Letras
e
Ciências
Humanas da
Universidade
de
São
Paulo,
São
Paulo, 1999.
4-
Imaguire, L. M. C.
Estudo
geolingüístico de
alguns
municípios
do
litoral
sul
paulista:
abordagem
de
aspectos
semântico-lexicais. 2004. 431 p +
anexos.
Tese
(Doutorado
em
Lingüística)
Faculdade
de
Filosofia,
Letras
e
Ciências
Humanas da
Universidade
de
São
Paulo,
São
Paulo, 2004.
5-
Santos,
S. S. B.
Abordagem
semântico-lexical do
falar
sorocabano,
com
base
no
questionário
do ALiB. 2005. 2 v +
anexos,
+ CD-ROM.
Tese
(Doutorado
em
Lingüística)
Faculdade
de
Filosofia,
Letras
e
Ciências
Humanas da
Universidade
de
São
Paulo,
São
Paulo, 2005.
6-
Santos,
S. S. B.
Estudos
geolingüísticos de
aspectos
semântico-lexicais do
campo
semântico
‘alimentação
e
cozinha'
(questionário
do ALiB) no
município
de Sorocaba.
São
Paulo, 2002. 227 p +
anexos.
Dissertação
(Mestrado
em
Lingüística)
Faculdade
de
Filosofia,
Letras
e
Ciências
Humanas da
Universidade
de
São
Paulo,
São
Paulo, 2002.
7-
Silva,
M. do P. S. C. da.
Estudo
semântico-lexical
com
vistas
ao
atlas
lingüístico
da mesorregião do Marajó/Pará.
São
Paulo, 2002. 2 v. +
anexos.
Tese
(Doutorado
em
Lingüística)
Faculdade
de
Filosofia,
Letras
e
Ciências
Humanas da
Universidade
de
São
Paulo,
São
Paulo, 2002.
8-
Zambo,
F. V.
Proposta
de
análise
semântico-lexical da lexia
nevoeiro
e
suas
variantes
lexicais
em
seis
atlas
lingüísticos
brasileiros.
São
Paulo, 2002. 126 p +
anexos.
Dissertação
(Mestrado
em
Lingüística)
Faculdade
de
Filosofia,
Letras
e
Ciências
Humanas da
Universidade
de
São
Paulo,
São
Paulo, 2002.
Além
desses
estudos,
cabe
ressaltar
o
trabalho
do
Grupo
de
Pesquisa
em
Dialetologia
e Geolingüística – GPDG/USP,
que
tem o
objetivo
de
fomentar
a
discussão
e a
pesquisa
de
temas
relativos
à
Dialetologia/
Geolingüística.
Em
2005, o GPDG deu
início
ao
projeto
coletivo
- "Estudo
sociogeolingüístico do
município
de
São
Paulo: o
léxico
-
parte
I",
que
visa
à
elaboração
de
um
banco
de
dados
do
léxico
do
português
falado
no
município
de
São
Paulo, do
ponto
de
vista
sociogeolingüístico,
em
cinco
pontos
do
município
de
São
Paulo,
correspondentes
às
cinco
regiões
da
cidade
de
São
Paulo. Os
membros
do
grupo
têm apresentado
seus
trabalhos
em
congressos
nacionais
e
internacionais
e
outros.
Considerações
finais
Este
minicurso tem a
intenção
de fornecer
uma
visão
dos
caminhos
percorridos
pelos
estudos
geolingüísticos e
trazer
uma
contribuição
à
reflexão
sobre
o
papel
da
Dialetologia.
Pretendemos,
ainda,
discutir
a
forma
como
se delineam os
passos
metodológicos desse
ramo
de
estudos
lingüísticos e reforçar a idéia de que a
pesquisa
geolingüística permite
que
se apontem
características
e
tendências
lingüístico-culturais
extremamente
importantes
para
o
registro
e o
resgate
da
identidade
cultural do
povo
dos
Estados,
traçando as isoglossas
que
marcam as diversas
regiões
lingüísticas
do
País.
Bibliografia
BORBA, Francisco da Silva.
Pequeno
vocabulário
de
lingüística
moderna.
2ª ed. rev. e aum.
São
Paulo:
Nacional,
1976.
COSERIU, Eugênio.
Sincronia,
diacronia e história.
Rio
de Janeiro:
Presença,
1979.
DUBOIS, Jean et alii.
Dicionário
de
lingüística.
São
Paulo: Cultrix, 1978.
FERREIRA,
C. & CARDOSO, S. A
dialetologia
no Brasil.
São
Paulo:
Contexto,
1994.
IORDAN, I.
Introdução
à
lingüística
românica.
Trad. de Júlia
Dias
Ferreira.
2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1962.
NASCENTES,
Antenor.
Bases
para
a
elaboração
do
Atlas
Lingüístico
do Brasil.
Ministério
da
Educação
e da
Cultura/Casa
de Rui Barbosa, vol. I, 1958, vol. II, 1961.
ROSSI, N. Os
falares
regionais
do Brasil. In:
Atas.
O
Simpósio
de
São
Paulo.
São
Paulo, 1969.
ROSSI, Nélson. A
realidade
lingüística
brasileira. In:
Revista
do
Instituto
de
Estudos
Brasileiros.
São
Paulo: USP, n° 22, 1980.
SAUSSURE, F. Course in
General
Linguistics (W. Baskin,
Trans.). New York: The Philosophical
Library, 1959.
VILELA, M.
Estudos
de lexicologia do português. Coimbra:
Almedina, 1994.