Noções de tempo e aspecto no discurso
perspectivas para uma prática de leitura
na escola

Eliuse Sousa Silva (UESC)

 

Introdução

É comum hoje nos estudos sobre linguagem, de base lingüística, se apontar três caminhos intercomplementares para o ensino, sendo que, em todos, o foco está no texto. São as atividades de escritura, de leitura e de análise lingüística. Essa última – a reflexão lingüística – deve ser concomitante às outras duas, desde que deixem de ser práticas mecânicas no contexto educacional para permitirem ao aluno, a vivência participante de diferentes situações interlocutivas.

Isso porque a formação leitora e escritora do aluno está vinculada às diferentes relações interlocutivas que se instauram nas diversas práticas de leitura e escritura. Para promover essas variadas relações, o educador de linguagem precisa ter domínio da gramática da língua em suas diferentes instâncias, incluindo aí, sobretudo, a discursiva. Assim, esse educador pode possibilitar a seus discentes a construção de conhecimentos que permitam o exercício de ser sujeito no uso da própria língua.

Esse estudo, então, visa apresentar elementos de uma teoria discursiva da temporalização que orientem um trabalho de leitura em sala de aula. Isso porque “[...] cada discurso constitui um universo semântico específico” (Cardoso, 1999: 32; grifo da autora). A escola deve, pois, prover o aluno de conhecimentos que lhe permitam descortinar os mais variados universos semânticos que se intercruzam na sociedade.

Para tanto, toma-se por objeto duas categorias lingüísticas, o Tempo e o Aspecto, perseguindo o entendimento de como as formas marcadoras dessas categorias participam da constituição de sentido de um discurso, ainda que o recorte para análise seja o enunciado.


 

Tempo
enquanto categoria discursivo-enunciativa

Para o tratamento da noção de temporalidade que se pretende aqui, é necessário esclarecer, inicialmente, que se faz uma diferenciação entre o Tempo da Enunciação e a representação da temporalidade pelo locutor (Tempo do Locutor). É essa representação que interessa a esse estudo.

A enunciação está aqui sendo compreendida como acontecimento de linguagem que se instaura a partir do funcionamento da língua pelo locutor. Esse acontecimento é formatado por uma materialidade histórica que comporta as condições sociais para sua realização (Guimarães, 2005a); e por uma temporalidade idiossincrática.

Essa temporalidade da enunciação se molda por um presente que resgata rememorações de enunciações, que não são, contudo, particulares a um indivíduo; o presente seleciona, pois, uma anterioridade memorável. Por causa do recorte que faz, o presente engendra subjacentemente um futuro de significações interpretáveis, projeta, assim, sentidos possíveis (Guimarães, 2005b).

Desse modo, o acontecimento carrega o registro da diferença porque temporaliza. Entretanto, não se trata de um tempo de sucessividades, como se verifica naquilo que se está nominando Tempo do Locutor. Esse se manifesta quando o eu, ao enunciar em um tempo tomado como presente, possibilita representar um passado e um futuro; trata-se de um fato no tempo que se instaura entorno de um antes e um depois demarcados. O sujeito-locutor, por se colocar como a origem da fala, representa o tempo como sendo-lhe contemporâneo, por conseguinte, o presente é instaurado no discurso por esse eu.

Esse locutor, todavia, não é uma pessoa-física específica, mas um sujeito que fala de um lugar enunciativo específico; em outros termos, são sujeitos da língua determinados por essa língua. Uma professora universitária, por exemplo, numa aula expositiva em sala de aula, fala não enquanto pessoa x, mas enquanto sujeito que enuncia de um lugar agenciado pelo acontecimento de linguagem, fala de um lugar socialmente definido (Guimarães, 2005b). É esse locutor, categoria lingüístico-enunciativa, que demarca o tempo no discurso.

Para representar discursivamente o tempo, a estrutura lingüística oferece diferentes estratégias. Isso significa que não se restringe ao verbo, embora a codificação seja fortemente circunscrita a essa classe, pois locuções adverbiais e mesmo o contexto discursivo podem expressar a temporalidade.

Assim, considerando aquilo que se está chamando de Tempo do Locutor, pode-se distinguir três tempos básicos em língua portuguesa – presente, passado e futuro –, conforme as relações de simultaneidade, anterioridade e posterioridade. Entretanto, a configuração do tempo no discurso pode ser mais complexa, a depender da própria referência temporal que o locutor assuma para representar uma determinada situação (ou estado de coisas).

Falando em outros termos, para além de uma representação simplificada em presente, passado e futuro, há outras relações temporais mais complexas que dependem do momento que o locutor ostenta como referência. Isso significa que as situações descritas podem ser organizadas a partir de outra, desse modo, o sistema temporal compõe-se fundamentalmente de três instantes, quais sejam: Tempo do Locutor (TL), que constitui seu presente (tempo zero); Tempo da Referência (TR), aquele tomado como parâmetro para abordar um fato; e, finalmente, o Tempo da Situação (TS), que é sistematizado com base em TR para localizar o fato abordado. Em síntese, as determinações temporais seguem na seguinte direção: TL→TR→TS (TL orienta TR que, por sua vez, orienta TS).

Como se observa, o tempo do locutor configura-se no eixo que organiza o sistema temporal, vinculando-se subjacentemente a todos os tempos representados no dizer. Sendo assim, é também ordenador da teia de sentidos que é circunscrita a partir desse sistema. Esse jogo permite que o agora do locutor gerado na atividade verbal se perpetue na teia discursiva e, assim, o leitor (enunciatário) aceite a temporalidade determinada pelo enunciador mesmo que não se insira nessa mesma temporalidade.

Nesse ponto da discussão, convém ressaltar a importância de se ter clareza quanto à distinção entre o plano formal e plano semântico-discursivo das expressões lingüísticas. Dito de outro modo e mais especificamente, a categoria morfológica Tempo não é coincidente com a categoria semântica Tempo. Tomando o verbo dormir, o chamado ‘presente do indicativo’ pode retratar todos os três tempos básicos – presente, futuro, passado – e ainda um “não-tempo” – denominado pelas gramáticas de tempo gnóstico. Os enunciados abaixo ilustram essas respectivas ocorrências:

a)        Ele dorme agora. (interpretação 1: já está dormindo neste momento / interpretação 2: dormirá logo em seguida)

b)        Ele vinha controlando muito bem o horário de dormir. Quando é segunda passada, dá três horas, ele dorme.

c)        As galinhas dormem com o pôr do sol.

Tal como uma mesma forma pode expressar diferentes valores semânticos, um mesmo valor temporal pode ser representado por distintas maneiras, já que não há formas exclusivas para verbalizar os tempos específicos. O valor semântico de presente, por exemplo, pode ser representado pela forma do presente do indicativo e pela locução ‘estar (no pres. do indic.) + gerúndio.

 

A categoria Tempo no discurso

A partir de tais considerações, para exercício analítico, toma-se um texto (em anexo) que é fragmento de um ensaio de Roberto Toledo publicado na Revista Veja de 18/07/2007. Nele, como um todo, há um jogo de relações temporais que, assumindo latentemente ou não o agora do locutor como referência (ou seja, TL=TR), estabelece vínculos temporais de simultaneidade, posterioridade e anterioridade.

Visando-se aqui uma postura didática, serão expostos alguns enunciados destacados do texto, tecendo, após cada um, comentários analíticos acerca de tais recortes.

I)         O evento da semana... foram as rixas que irromperam... durante a cerimônia que...

Convém começar destacando a referência temporal inicial (d)a semana, expressão que é interpretada como semana transcorrida em virtude do verbo foram que representa um tempo passado. Se o verbo estivesse em sua forma futura (‘serão’), a expressão seria interpretada como ‘semana seguinte’. Para se compreender que semana é essa, é necessário resgatar a data de publicação da revista (18/04/07), que, por conseguinte, constitui o TR; interessante observar que tal data não está materializada no texto.

II)       as rixas que irromperam... durante a cerimônia...

III)     receber os visitantes... durante os Jo­gos

O relato do surgimento das rixas, em II, toma dois momentos de referência: um subjacente, TL, que agencia sua representação como pretérita; e outro explícito, a cerimônia, que lhe é contemporâneo. Importante ressaltar que quem marca a concomitância entre o ‘irrompimento’ e a ‘cerimônia’ não é o verbo e sim o durante, como ocorre também em III.

IV)     Enquanto isso

O enunciado acima registra outro exemplo de marcação temporal fora do verbo com o termo enquanto, que no texto permite uma leitura irônica por estabelecer simultaneidade entre o discurso de Lula (criticando a imprensa pelas notícias desfavoráveis aos jovens) e os desencontros entre esses mesmos jovens.

V)       jovens escolhidos para servir como "guias cívicos" durante os Jogos Pan-Americanos...

Para interpretar esse enunciado é preciso tomar como pressuposto que a escolha dos jovens é ainda anterior à cerimônia de formatura. Tal escolha, conforme o enunciado, faz uma projeção (futura) das ações desses jovens (servir como guias...), codificando, assim, uma relação temporal entre passado e futuro.

VI)     A cerimônia foi mostrada na TV

Essa construção é ambígua por permitir interpretar o ato de mostrar como concomitante ou posterior à cerimônia.

VII)   O programa... tem o objetivo de treinar jovens para bem receber os visitantes... Ao mesmo tempo, pretende incentivar a boa convi­vência...

A quebra na narrativa para dar explicações sobre o programa dos guias cívicos promove um rompimento na estrutura temporal passada (foram, irromperam, marcou) e insere situações contemporâneas ao TL (tem o objetivo; pretende incentivar). Por sua vez, a expressão ao mesmo tempo traz a noção de simultaneidade entre ‘ter o objetivo’ e ‘pretender incentivar’ de uma forma autônoma em relação ao tempo zero.

VIII) modo idílico como em geral são tratadas semelhantes iniciativas

IX)     CV e ADA... são facções do tráfico de drogas

X)       Para muitos que sabem o nome do papa e dos ex-presiden­tes... é irrelevante saber o que é CV, o que é ADA, e quem se filia a um ou a outro. Para muitos outros, o papa e ex-presidentes são irrelevantes, mas é vital saber o que é CV, o que é ADA, quem é do CV e quem é do ADA.

As passagens VIII, IX e X também promovem uma quebra na narrativa, trazendo o discurso para a contemporaneidade do locutor. Arrisca-se afirmar que a forma verbal de presente nesses recortes permite perceber de forma mais veemente a atitude de crítica do locutor. Especificamente à X, é possível interpretar o discurso como representando um tempo gnóstico, visto que apresenta a situação como se fosse invariável, constante, uma verdade aceita por todos.

XI)     Conforme o morador seja da Rocinha, do Vidigal, do Ale­mão ou da Maré... estará sob o domínio do CV ou do ADA

Pode-se verificar acima que a projeção de um mundo hipotético, possível, com a expressão conforme seja na primeira oração do enunciado, faz com que a forma verbal de futuro (estará) tenha um valor temporal não-definido, funcionando como passado, presente e futuro, já que o morador estará sob o comando de um dos grupos em qualquer época. Esse exemplo permite inferir, concordando com Coan e outros (2006), que a função (semântica) tem primazia no que tange à forma (morfológica) de codificação.

 

Aspecto
enquanto categoria discursivo-enunciativa

As discussões acerca das questões temporais conduzem à noção de Aspecto, visto que Tempo e Aspecto são categorias lingüísticas imbrincadas. Esse imbrincamento se dá porque a temporalização comporta as noções de ordem (sucessividade e simultaneidade), direção (retrospectiva e prospectiva) e duração (Fiorin, 2005). Quanto à essa última, relaciona-se à aspectualidade, visto ser esse o seu traço definidor (Costa, 1990). Isso configura a aspectualização como uma especialização da temporalização, sendo um sistema que permite aos interlocutores relacionar situação e tempo sem fixar um instante relativo ao agora do locutor.

Assim, ao contrário da categoria Tempo, que permite localizar a ocorrência da situação numa linha cronológica, o Aspecto possibilita ao leitor (ou ouvinte) vislumbrar uma situação em seu desdobramento, sem, contudo, situar num período específico o estado de coisas expresso. Ou seja, não concerne a sucessividades e sim à representação da durabilidade da situação verbalizada, manifestando um tempo demarcado entre um ponto inicial e final, definindo-se, então, como uma espécie de tempo interno.

O Aspecto, desse modo, codifica os diferentes modos de representar o tempo interno de uma situação, sendo caracterizado pela duração (convém esclarecer que os autores divergem muito quanto à caracterização dessa noção). A partir daí, tem-se dois grupos que se opõem: o imperfectivo, que se caracteriza por marcar positivamente a duração e o perfectivo, que expressa apenas a categoria Tempo, logo, não manifesta a durabilidade da situação.

Para ilustração, considere-se o excerto abaixo:

I)     Há mais de uma década escrevendo na imprensa, sempre me disseram [...] que me admiravam [...] (Millôr, Veja, 18/04/07: 24)

A expressão há mais de uma década e os verbos escrevendo e admiravam permitem que o leitor compreenda as situações de ‘escrever’ e ‘admirar’ em seu transcurso em certo intervalo de tempo, apresentando-se, assim, como imperfectivas; cabe observar que o morfema flexional de pretérito imperfeito (admiravam) só marca aspectualmente um verbo se o valor semântico desse verbo comportar a durabilidade. Quanto à expressão sempre... disseram, é perfectiva porque traduz uma recorrência no ‘dizer’, não sua constância, ou seja, ‘disseram por várias vezes’.

Esse exemplo de perfectividade pontua uma restrição à marcação do Aspecto, qual seja a de que a situação enunciada esteja no número singular, isto é, seja única (e não repetida na linha temporal). Essa limitação exclui o chamado iterativo (presente em algumas literaturas) como uma ocorrência aspectual, pois não se trata de durabilidade, mas de repetição sucessiva do mesmo fato.

As formas verbais mais usadas em língua portuguesa para codificar o Aspecto são a do gerúndio e a do particípio. A razão está em essas formas não expressarem as categorias do verbo Tempo, Modo e Pessoa, e sim as categorias Voz e Aspecto. “O Gerúndio expressa imperfectividade em curso e Voz ativa, e o Particípio expressa imperfectividade resultativa e Voz passiva” (Costa, 1990:44).

Essa discussão acerca do Aspecto se mostra oportuna – apesar de não se fazer um estudo verticalizado aqui – porque é um conteúdo pouco ou nada tratado na escola e mesmo nas graduações (de Letras). As gramáticas normativas, por exemplo, quando abordam essa categoria, restringem-na como sendo marcada tão somente pelo verbo, tratando-a de forma bastante capilar e equivocada. Todavia, outros elementos estruturais, conforme o discurso, podem atualizá-la; termos como crescimento, desenvolvimento, continuidade, progressão são lexemas que permitem imprimir no enunciado a perspectiva de durabilidade.

 

A categoria Aspecto no discurso

O percurso para o trabalho de análise em torno do Aspecto será similar ao do Tempo, isto é, serão expostos os recortes discursivos para posteriormente se proceder ao comentário. Tais recortes foram retirados da mesma revista, Veja, porém, do texto de Diogo Mainardi. Neles, o destaque será dado à imperfectividade.

I)     Outro dia a mulher de Franklin Martins me telefonou. Eram 10 da noite. Falamos por mais de uma hora.

Apesar de o ‘ato de telefonar’ estar marcado perfectivamente, a leitura discursiva que se faz da passagem acima é a de que esse telefonema perdurou ao longo de uma fração de tempo, em vista da expressão por mais de uma hora.

II)   Repliquei que ela teria de se contentar em limpar as botas dos apadrinhados dos políticos enquanto seu marido fosse ministro.

Destaca-se aí o enquanto, que confere valor aspectual ao ‘ser ministro’, retratando-o em um fragmento de tempo delimitado.

III) A popularidade de Lula impediu até hoje que ele fosse derrubado.

A leitura imperfectiva da situação descrita em III decorre da expressão até hoje, que permite estabelecer um vínculo entre passado e presente, visto se tratar de um tempo anterior que se estende até o agora do locutor.

IV) Eu refletia a respeito do assunto enquanto lia Os Homens que Mataram o Facínora [...]

Os morfemas flexionais dos verbos (refletia, lia), combinados à semântica dos radicais desses verbos permitiram representar a durabilidade dos fatos, que se apresentam contemporâneos em virtude do termo enquanto.

V)   O fato de refletir a respeito de Lula durante a leitura de um ensaio [...]

O sentido proposicional desse enunciado é próximo do anterior – pode-se afirmar ser uma paráfrase daquele – todavia, desta vez quem confere uma leitura aspectual é o termo durante, que agrega ainda a função de demonstrar simultaneidade entre ‘a reflexão’ e ‘a leitura’, tal como o enquanto no exemplo IV.

VI) A gente ainda está estacionado nessa fase. [...]

Como em III, observa-se no enunciado acima um liame entre passado e presente, só que nesse recorte o vínculo é promovido por ainda, que funda o pressuposto de que o ‘estacionamento nessa fase’ antecede o agora do locutor e se mantém até esse marco.

 

Considerações finais

Com o estudo desenvolvido a partir de uma perspectiva enunciativa de linguagem, verificou-se como uma unidade menor – uma expressão temporal e aspectual – atua no funcionamento do sentido de uma unidade maior – o texto, não entendendo esse como mero somatório de expressões, mas como uma rede de relações significativas que materializa o discurso.

A teia de significações de um discurso envolve elementos de distintos níveis lingüísticos que se torna difícil descrever-lhe concentrando-se tão somente no sistema temporal, contemplando aí a aspectualização. Apesar dessa limitação, não se pode negar a amplitude de sentidos que esse sistema confere ao discurso, sendo importante ser estudado no ambiente escolar e mesmo acadêmico.

 

Referências

CARDOSO, Silvia Helena Barbi. Discurso e ensino. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

COAN, Márluce et al. As categorias verbais tempo, aspecto, modalidade e referência: pressupostos teóricos para uma análise semântico-discursiva. Estudos lingüísticos XXXV, p. 1463-1472, 2006. Disponível em http://gel.org.br/4publica-estudos-2006/sistema06/523.pdf. Acesso em 20 abr. 2007.

COSTA, Sônia B. B. O aspecto em português. São Paulo: Contexto, 1990.

FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. 2ª ed. São Paulo: Ática, 2005.

GUIMARÃES, Eduardo. Os limites do sentido: um estudo histórico e enunciativo da linguagem. 3ª ed. Campinas: Pontes, 2005a.

GUIMARÃES, Eduardo. Semântica do acontecimento: um estudo enunciativo da designação. 2ª ed. Campinas: Pontes, 2005b.

ILARI, Rodolfo. Introdução à semântica – brincando com a gramática. São Paulo: Contexto, 2001.

MAINARDI, Diogo. Disque “Diogo” para fazer lobby. In: Veja, ano 40, n° 15, 18 abr. 2007, p. 121.

MILLÔR. Indefinível incerto inexato vago emaranhado. In: Veja, ano 40, n° 15, 18 abr. 2007, p. 24.

PERINI, Mário. A. Gramática descritiva do português. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1996.

TOLEDO, Roberto Pompeu de. A moça da livraria e a malta do Maracanã. In: Veja, ano 40, n° 15, 18 abr. 2007, p. 126.


 

 

Anexo

A moça da livraria e a malta do Maracanã

 

[...]

O evento da semana, para o colunista, foram as rixas que irromperam nas arquibancadas e nos corredores do Maracanã durante a cerimônia que, com a presença do presidente Lula, marcou a formatura dos primeiros 5000 jovens pobres escolhidos para servir como "guias cívicos" durante os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro. O programa dos "guias cívicos", patrocinado pelo governo federal, tem o objetivo de treinar jovens de 14 a 24 anos para bem receber os visitantes estrangeiros durante os Jo­gos. Ao mesmo tempo, pretende incentivar a boa convi­vência entre rapazes e moças oriundos das diferentes co­munidades (o novo nome das favelas) do Rio. A cerimônia foi mostrada na TV do modo idílico como em geral são tratadas semelhantes iniciativas. "Bienvenidos aI Rio", disse um menino, exibindo o que aprendeu para bem im­pressionar os estrangeiros. Em seu discurso, Lula criticou a imprensa por dar notícia desfavorável sobre os jovens, esquecendo-se das favoráveis, como a boa disposição das turmas ali reunidas. Enquanto isso, lá no alto das arqui­bancadas, fora da vista do presidente, dos ministros, do governador Sérgio Cabral e outras autoridades ...

Jovens do CV xingavam os do ADA, os do ADA cerca­vam os do CV, os do CV empurravam os do ADA, os do ADA perseguiam os do CV. CV e ADA - ó leitores irma­nados pela ignorância! - são facções do tráfico de drogas. Conforme o morador seja da Rocinha, do Vidigal, do Ale­mão ou da Maré - e esses lugares todos encontravam-se ali representados - estará sob o domínio do CV ou do ADA. Para muitos que sabem o nome do papa e dos ex-presiden­tes, neste país, é irrelevante saber o que é CV, o que é ADA, e quem se filia a um ou a outro. Para muitos outros, o papa e ex-presidentes são irrelevantes, mas é vital saber o que é CV, o que é ADA, quem é do CV e quem é do ADA.

(Toledo, 2007:.126)