Arquitetura contratual da reportagem
“A citação nas obras protegidas”

Diléa Pires (PMBH)

dileapires@hotmail.com

 

Para, assim, podermos falar de “contrato de comunicação”, já que todo o domínio de comunicação propõe aos sujeitos – parceiros dessa interação – um certo número de condições que definem a expectativa (enjeu) da troca enunciativa, visando a intercompreensão.

Nesse sentido, em se tratando da construção e efetivação do “contrato de comunicação” (Charaudeau, 2000) explicita que as visadas (visées) discursivas correspondem a uma intencionalidade psico-sócio-discursiva que determina a aposta envidada pelo sujeito comunicante e, por conseguinte, determina a própria troca linguageira.

Desse modo, as visadas devem ser consideradas do ponto de vista da estância de produção, que tem em perspectiva um sujeito destinatário ideal, mas, evidentemente, elas devem ser reconhecidas como tais pela instância de recepção como uma orientação para a produção do sentido. As visadas correspondem a atitudes enunciativas que carregam consigo a intenção de um eu enunciador e a posição de força que ele ocupa em relação ao tu. Posição que, da mesma forma, o tu deve ocupar em relação ao eu, em situação de sujeito interpretante.

Isso posto, é importante considerar dois componentes particularmente importantes, que se encontram na base de todo contrato de linguagem: a finalidade, dado que é ela que seleciona os tipos de visadas, determinando, assim, a orientação discursiva do ato comunicativo; as restrições da “situação” – formais – responsáveis pelas diferentes “maneiras de dizer”, mais ou menos codificadas, e as restrições discursivas responsáveis pela ordem do discurso, ou seja, sobre o mundo de palavra – modos descritivo, narrativo, argumentativo.

Continuando esta breve balizagem teórica, asseveramos que o citado autor esclarece que a intenção (finalidade) do eu comunicante / enunciador com relação ao tu destinatário / interpretante descreve seis visadas principais:

i.      a visada de “prescrição”: (faire faire) o eu quer promover o “fazer”, tendo lugar de autoridade de poder com relação ao tu (autoria), que se encontra na posição de “dever fazer”;

ii.     a visada de “solicitação”: o eu quer “saber” se o tu vai se interessar por seu “fazer”, estando, aqui, em relação de inferioridade de saber em relação ao tu; o tu se encontra em posição de “dever responder” à solicitação do eu;

iii.   a visada de “incitação”: (faire faire) o eu quer promover o fazer, mas não estando em posição de autoridade, como no caso da prescrição, ele promove a incitação direcionada a um “ querer fazer acreditar” (por persuasão ou sedução) em relação ao tu, que está em posição de “dever acreditar” que o eu age para o seu bem;

iv.   a visada de ”informação”: o eu quer “promover o saber”, dado que se encontra legitimado em sua posição de saber; o tu se encontra na posição de “dever saber” alguma coisa sobre aquele fazer enunciativo;

v.    a visada de “instrução”: o eu quer promover o “saber fazer”, tendo, para tanto, a autoridade de um saber – fazer e se encontra, dessa forma, legitimado para transmitir esse saber – fazer; o tu se encontra em posição de “dever saber fazer”, devendo seguir a instrução proposta pelo eu;

vi.   a visada de “demonstração”:  o eu quer promover a crença na verdade, mostrando as provas com a autoridade de quem sabe (cientista, especialista, expert); o tu se encontra em posição de “ter que receber e avaliar” a verdade enunciada e, assim, ter capacidade de interpreta-la como verdade.

Neste ponto, passemos à aplicação prática da sucintamente abordada.

De início, podemos ponderar que sendo o nosso corpus uma notícia, portanto um texto pertencente ao gênero midiático, seria possível dizer, frente a um primeiro olhar, que tal texto, na sua instância de produção, convoca as visadas de instrução, de incitação e de demonstração. Porém, isso é feito sob a cobertura da visada dominante, a de informação, ditada pela finalidade que determina a expectativa (enjeu) do contrato de comunicação na referida notícia.

Por conseguinte, a visada primordial do corpus é informar ao destinatário a respeito do que é uma citação, como também que o uso abusivo dela pode acarretar sérias conseqüências jurídicas para o sujeito. Para tanto, a visada de informação utiliza a visada de instrução – por meio da definição do que é citação, do aconselhamento sobre usos legítimos da mesma e da rubrica responsável pela notícia, fato que pode ser observado nos parágrafos iniciais do texto. Utiliza, outrossim, a visada de incitação – título da reportagem, imagem em forma de charge, diálogo interno, voz interdiscursiva que ressoa às margens e nas margens do silêncio.

Outra visada convocada pelo enunciador é a de demonstração que, nesta notícia, pode ser notada por meio do subtítulo, pela voz polifônica jurídica e legal – citação da Lei dos Direitos Autorais, assim como pela autoria do EUc, CBL / Departamento Jurídico, que conferem ao dito autoridade e legitimidade do dizer. As repetições também se situam nesse tipo de visada. Por conseguinte, podemos inferir que a visada de demonstração se configura em meio à ordenação do discurso, como uma voz textual, polifônica e, ao mesmo tempo, intertextual, incluindo-se aí o que Mari (2000) intitula como pseudo ato de fala – o enunciador é autor da pergunta e da resposta que a acompanha.

Feitas essas considerações, finalizamos essa breve análise, delineando, na seqüência, o contrato de comunicação respaldado pelas pegadas do Eud (enunciatário textual) do corpus. 

Figura 1

EUc - Quem efetiva o contrato: papel social / parceiro;  CBL / Departamento Jurídico.   As visadas discursivas determinam, de certa forma, o como dizer e podem, outrossim, influenciar: i. o provável objetivo: o que e para que dizer: notícia / alertar, prevenir; o suporte, ou seja, o onde / local: Periódico Panorama Editorial; o quando: na próxima publicação; e, sobretudo,para quem dizer - TUi – parceiro desconhecido, porém imaginado.

EUe – Enunciador do mundo de palavra / ou de imagem: papel linguageiro / protagonista do dizer; Departamento Jurídico / Sérgio Rossi - estrategista das visadas:  configura o TUd – protagonista imaginado: editores / escritores / ilustradores etc.

 

Bibliografia

CHARADEAU, Patrick. Visées discoursives. Paris: UP13, 2000. (Texto mimeografado)

CHARADEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dictionnaire  d’analyse du discours. Paris: Seuil, 2002.

MARI, Hugo. Algumas considerações sobre os atos de fala. Belo Horizonte: POSLIN/UFMG, 2000. (texto mimeografado).

MELLO, Renato de (org.). Gêneros: reflexões em análise do discurso. Belo Horizonte: NAD/POSLIN/UFMG, 2004.

 

Anexo: “A citação nas obras protegidas”. Revista Panorama Editorial, Ano 1, n°5, Fevereiro de 2005. p.38