o enunciado do
outro
marcas polifônicas no discurso jurídico
Ivana Maria Dias Oliveira (UFS)
Cleide Emília Faye Pedrosa (UFS)
A proposta dessa comunicação é fazer uma análise da presença do Outro através das marcas polifônicas tendo por base os estudos da Análise do Discurso e a proposta dialógica de Bakhtin. O corpus é formado por discursos de magistrados que compõem o quadro do Poder Judiciário Estadual de Sergipe. Ao longo da pesquisa, foi verificada a interação verbal decorrente do aparecimento do sujeito na construção do seu discurso através das óticas dialógicas, polifônicas e da heterogeneidade enunciativa, manifestadas pelo Outro na multiplicidade de vozes presentes em um discurso. De posse desse conteúdo teórico, propusemo-nos a tecer um olhar de analista de discurso sobre alguns discursos magistrásticos, tendo como foco a constatação de que o ato de linguagem estabelecido nessa tipologia discursiva é proporcionado pela interação do sujeito enunciador frente à sua formação ideológica e discursiva dividindo o espaço com a presença do Outro, fazendo nela ressoar outras vozes. Como resultado, constatamos que nesse tipo de enunciado discursivo, apesar da formação e do estatuto jurídico assumido, os locutores promovem uma interação linguageira com outras formações discursivas.
1. Introdução
Este trabalho apresenta uma análise discursiva acerca do enunciado do Outro no discurso de magistrados integrantes do Poder Judiciário do Estado de Sergipe. O enfoque será sustentado em princípios gerais sobre o aspecto dialógico da linguagem (Bakhtin), da Análise do Discurso (AD), em suas diferentes concepções, para a partir de pressupostos teóricos diferenciados estabelecer como a relação da materialidade da linguagem está presente na construção do discurso e no seu contexto histórico-social. Serão apontadas além das referências teóricas que servirão de elementos para fundamentar essa abordagem, também, as amostragens discursivas que relacionam o estudo da linguagem à exterioridade. A partir dos aspectos teóricos e metodológicos, analisamos a construção das marcas lingüísticas, observando se existe uma significação opaca de efeitos de sentidos na construção dos discursos dos magistrados, identificando tamém a existência de ideologias marcadas pela inscrição do sujeito nos fenômenos dialógicos e polifônicos manifestadas nas abordagens discursivas.
2. A perspectiva dialógica da linguagem
Discorrer sobre o enunciado do Outro ou sobre polifonia passa, necessariamente pela concepção dialógica da linguagem defendida por Bakhtin (2004, 1997).
Ao afirmar que a enunciação resulta como produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e engajados, Bakhtin dá a entender que todo discurso é dialógico, isto é, procede de alguém e dirige-se a alguém. Daí a inter-relação de discursos e atores sociais produzindo um tecido polifônico histórico, ideológico e socialmente situados.
Bakhtin entende diálogo não apenas no sentido estrito do termo, mas como um grande encontro de vozes e entonações diferentes em todas as instâncias da linguagem, inclusive no discurso interior que também manifesta vozes de forma entrecruzada, complementada, em oposição, em confronto, em contínuo movimento, sempre relacionado a uma atividade humana com juízo de valor. Assim a dialogia é o confronto das entoações e dos sistemas de valores que posicionam as mais variadas visões de mundo.
A dialogia bakhtiniana é essa interação dos interlocutores entre si e entre suas cosmovisões em um determinado momento histórico e contexto social. Se, portanto, o dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem e a condição do sentido do discurso, o discurso, por sua vez, não pode ser concebido como individual tanto pelo fato de que ele se constrói entre, pelo menos, dois interlocutores que, por sua vez, são seres sociais, como pelo fato de que ele se constrói como um diálogo entre discursos, isto é, mantém relações com outros discursos.
3. Revisitando a AD
O estudo da Análise do Discurso teve sua origem nas escolas francesas, em 1969. O seu fundador, o filósofo Michel Pêcheux objetivou intervir teórica e cientificamente no campo das ciências humanas e sociais, mais especificamente no da psicologia social. Ele foi considerado o autor mais representativo da escola francesa da AD e em seu trabalho, publicado de 1969 a 1975, a AD recebeu sua verdadeira fundação teórica. Para compreender a relação que AD trata com as ciências humanas e sociais, de acordo com Ferreira (2005), situamos a sua gênese:
A Análise do Discurso nasceu em uma zona já povoada e tumultuada – de um lado, numa esquina, ocupando quase todo o quarteirão – a lingüística; na outra ponta espaçoso, o materialismo histórico, e no meio dividindo o espaço lado a lado com a psicanálise, a teoria do discurso (Ferreira, 2005, p. 213).
Em sua visão Ferreira diz que vem de longe o convívio fronteiriço, em uma relação de contigüidade, entre a análise do discurso e a psicanálise e que tais vizinhas, ainda que bastante próximas, guardam distância e não confundem seus espaços comuns. São íntimas, mas nem tanto, ao que se pode dizer que há uma estranha intimidade.
Maldidier (2003) dispõe o percurso de Michel Pêcheux em três grandes momentos:
a) o das grandes construções, com base nos postulados althusserianos, construiu todo um dispositivo teórico-analítico de análise automática do discurso;
b) o dos tateamentos, com a crise do marxsismo e com a cegueira e a surdez dos sociolinguistas marxistas, revê muitos de seus posicionamentos e se propõe a quebrar o estranho espelho da Análise Automática de Discuro; e
c) o da desconstrução domesticada, aproximando-se de Foucault e Lacan, tenta precisar os limites entre descrição e interpretação e vê o discursivo na sua estrutura e no acontecimento.
Diante disso, ela descreve esse percurso pontuando o tempo na História, afirmando que “o projeto de Michel Pêcheux nasceu na conjuntura dos anos de 1960, sob o signo da articulação entre a lingüística, o materialismo histórico e a psicanálise. Ele, progressivamente, o amadureceu, explicitou e o retificou” (Maldidier, 2003, p. 16).
Percebemos que o percurso de Pêcheux encontra em cheio a virada da conjuntura teórica que se avoluma na França. Nesse ínterim, choca-se com a crítica da teoria e das coerências globalizantes, desestabilizantes das positividades, de um lado e o retorno do sujeito, de outro. É dito por Maldidier (2003, p. 16, grifo do autor), que era a época do “deslizamento da política para o espetáculo! Era a grande quebra. Deixávamos o tempo da ‘luta de classes na teoria’ para entrar no do ‘debate’”. Assim, no novo contexto, Pêcheux tenta repensar tudo o que o discurso designava para ele.
Segundo Agustini ( apud Ferreira, 2005), Pêcheux sabia que os fundamentos teóricos da AD não poderiam ocupar o lugar do Materialismo Histórico e da Psicanálise, mas poderiam intervir em seus campos. Com esse pressuposto, o lingüista provoca uma fissura teórica e científica no campo das ciências sociais, pois toma o discurso e a teoria do discurso como lugares possíveis de intervirem teoricamente, absorvendo conceitos de outras regiões de conhecimento para produzir a AD, do Materialismo Histórico, da Lingüística e da Psicanálise. Assim, é que foi criada a disciplina através de conceitos reinventados.
Para Orlandi (2005), se a AD é herdeira das três regiões de conhecimento não o é de modo servil, pois quando trabalha o discurso não o reduz ao objeto da Lingüística; não o deixa ser absorvido pela Teoria Marxista e tampouco ao que teoriza a Psicanálise. O que faz é: interrogar a Lingüística pela historicidade que ela deixa de lado, questionar o Materialismo perguntando pelo simbólico e se demarcar com a Psicanálise pelo modo como, considerando a historicidade, trabalha a ideologia. Então, a AD quando começa a trabalhar na confluência desses campos de conhecimento faz surgir em suas fronteiras, produzindo um novo recorte e constituindo um novo objeto, o discurso – o qual passa a afetar essas formas de conhecimento.
Courtine (2005) defende a idéia de que, embora a corrente da AD tenha surgido na França e recebido a denominação de AD Francesa, não permaneceu restrita ao quadro francês. Segundo ela, essa Escola migrou para outros países, com os francófanos e os de língua latina e, a partir dos anos 80, apesar de ter sido progressivamente marginalizada, permaneceu rotulada na sua tendência francesa. Em sua defesa, afirma que Michel Pêcheux e os demais teóricos que trabalharam junto a ele nunca empregaram o termo “Escola Francesa” ao projeto da AD. Diz que essa expressão foi generalizada posteriormente pelos autores dos manuais de AD, após a metade dos anos 70. Mesmo porque, acrescenta, os “partidários” que inventaram a expressão “Escola Francesa de AD” não contemplavam a “construção teórica e a invenção metodológica” defendida por Pêcheux e sim uma “concepção contrastiva dos discursos”.
4 O Outro constitutivo no sujeito e na linguagem
Para fundamentar a análise do Outro como sendo um ser constitutivo do sujeito e da linguagem, vamos seguir Brait (2001) que reforça sua base teórica na concepção da lingüista Jacqueline Authier-Revuz, a qual trabalha sua teoria sobre a heterogeneidade mostrada e constitutiva do discurso com base em dois aspectos. O primeiro, a partir do conceito de dialogismo, introduzido por Bakhtin e o segundo, da abordagem psicanalítica do sujeito como efeito de linguagem.
Brait (2001, p.7), diz que Authier “recupera o caminho bakhtiniano para a constituição de uma concepção de linguagem, em que dialogismo e polifonia são considerados os alicerces calcados num contexto de Outro discursivo, ideológico e interacional”. Grosso modo, essa concepção de linguagem fala da multiplicidade de vozes presentes no discurso e das relações que entre elas se estabelecem.
Precavendo-se contra determinadas tendências da AD, em que a língua, a materialidade lingüística e sua descrição foram preteridas em nome da análise ideológica do discurso e de exteriores lingüísticos, Authier-Revuz se coloca como “lingüista e não como analista do discurso; o que faz com que ela permaneça no nível lingüístico, na materialidade lingüística, no que a autora chama de ‘fio do discurso’, e que pode ser entendido como enunciado não no sentido da frase modelo, mais do ato de enunciação” (Brait, 2001, p.9, grifo do autor).
Portanto, nos exteriores teóricos os quais Authier-Revuz (apud, Brait, 2001) recorre para a construção do seu arcabouço teórico-descritivo do Outro, estão o dialogismo do círculo de Bakhtin e a psicanálise, na leitura lacaniana e freudiana. Para descrever as formas de heterogeneidade mostrada no discurso, recorre a essas duas correntes de pensamento por trabalharem concepções de sujeito, de sentido e de linguagem, a partir de diferentes posturas diante do que se compreende o Outro.
Em seu argumento Revuz (apud Brait, 2001, p. 10) diz que “a concepção do Outro para o estudo do sujeito e da linguagem não é a mesma nos trabalhos produzidos pelo círculo de Bakhtin, conjunto das assinaturas que se justapõem a do teórico russo, e aquela que fundamenta a teoria lacaniana”.
Para Brait (2001), o que as duas versões do Outro têm em comum e que serão utilizadas por Authier-Revuz são: “o fato de conceberem o Outro como inalienável, por diferentes caminhos, da constituição das identidades, dos sujeitos e das formas de manifestá-los e constituí-los na e pela linguagem e pela oposição aos rumos dados à questão pela psicologia da época” (apud, Brait, 2001, p. 9).
Mussalim (2004), tomando como referencial Authier-Revuz (1990) e Maingueneau (1997), apresenta três tipos de heterogeneidade mostrada que estão ancoradas no princípio da heterogeneidade constitutiva do discurso:
a. aquela em que o locutor ou usa de suas palavras para traduzir o discurso de um Outro (discurso relatado) ou então recorta as palavras do Outro e as cita (discurso direto);
b. aquela em que o locutor assinala as palavras do Outro em seu discurso, por meio, por exemplo, de aspas, de itálico, de uma remissão a outro discurso, sem que o fio discursivo seja interrompido;
c. aquela em que a presença do Outro não é explicitamente mostrada na frase, mas é mostrada no espaço implícito, do sugerido.
Podemos dizer que o discurso direto e o discurso indireto são dois modos de citação que não assumem uma situação de dependência, eles têm formas enunciativas próprias. Maingueneau (2001), afirma que é falsa a idéia de que se pode passar do discurso direto para o indireto. Diz que: “com o discurso indireto o enunciador citante tem uma infinidade de maneiras para traduzir as falas citadas, pois não são as palavras exatas que são relatadas, mas sim o conteúdo do pensamento” (Maingueneau, 2001, p. 149).
O analista do discurso tem a tarefa de trazer à tona o produto da linguagem processada por sujeitos inscritos em estratégias de interlocução que estejam em posições sociais ou em conjunturas históricas. Também como outro propósito, tem que estabelecer entre um discurso e suas condições de produção, a existência de efeitos de sentido condicionados por uma determinada ideologia e que estejam em determinada condição histórico-social. Como um dos recursos para esse processo, para espelhar a primazia do interdiscurso sobre o discurso, fomos buscar nos pressupostos bakhtinianos o que percebemos ser o ponto fundamental para expressar o reflexo do Outro na constituição de todo o processo discursivo, de que nossa fala vem sempre preenchida com palavras de Outros, em diferentes graus de alteridade do que é diferentes graus de consciência e de afastamento.
5. O enunciado do Outro: marcas polifônicas no discurso jurídico
Exemplo 1:
Para Paul Valéry – a quem Courture chamou de “o poeta da política e do espírito” – “somente a fé pode governar o mundo jurídico. O Direito tem um único realizador que é a virtude. Ele se realiza inexoravelmente, queiramo-lo ou não, no fundo do coração humano, justamente ali onde nenhuma norma jamais poderia penetrar”. E na mesma ordem de idéias estas palavras lapidares do sociólogo Costa Rego: “A Justiça não é bela quando apenas manuseia um código e o aplica; é bela, chega até a ser grandiosa, quando mergulha nas profundezas e na razão moral do fato que julga”.
(Fragmento do discurso de um magistrado, pronunciado no ano de 1979, por ocasião de sua posse no cargo de Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe.)
Na construção desse discurso, em uma mesma perspectiva, o enunciador carrega na sua materialidade discursiva o mecanismo da interdiscursividade. A presença de Outros revela uma constituição de alteridade que mostra seu conhecimento arquivado em seu histórico social, assim faz uso de enunciações com distinção explícita de vozes carregadas de FD’s diferenciadas: religiosa, jurídica e filosófica.
a) religiosa: Para Paul Valéry – a quem Courture chamou de “o poeta da política e do espírito” – “somente a fé pode governar o mundo jurídico. O Direito tem um único realizador que é a virtude. (...).
b) jurídica: “A Justiça não é bela quando apenas manuseia um código e o aplica;
c) filosófica: é bela, chega até a ser grandiosa, quando mergulha nas profundezas e na razão moral do fato que julga”.
Vemos, assim, uma relação possível do discurso perpassado de uma materialidade histórica e social.
Exemplo 2:
V. Exª poderá exercitar não só a jurisdição, mas tomará parte dos destinos da administração do Poder Judiciário. E é nesse aspecto – o administrativo – que residem os maiores problemas da Justiça brasileira.
Muito se tem feito e haverá sempre muito que fazer. A litigiosidade crescente, os novos direitos, o aumento da população, a sofisticação da criminalidade, entre outros, são fatores que pressionam a máquina judiciária por cada vez maiores índices de produtividade.
Sabemos todos, porém, que o juiz é um ser humano como outro qualquer. Por isso, face à sua condição humana, não pode suportar sozinho toda essa pressão, sem que arque com graves danos à sua pessoa ou aos jurisdicionados.
A pletora de processos – não se enganem – jamais deixará de crescer. Por isso, é preciso que a tecnologia, a racionalização dos recursos materiais, as reformas legislativas, o preparo e a motivação dos recursos humanos, sejam componentes desse conjunto que deve dar conta dos anseios populares por justiça.
As reformas, longe de serem estanques, são fatores permanentes, pois há necessidade de contínua adaptação do Judiciário. E essa adaptação não se fará boa se não contar com a participação ativa de toda a Magistratura.
(Fragmento do discurso de um magistrado, pronunciado no ano de 2006, por ocasião da posse de um magistrado no cargo de Desembargador)
Embora, a maioria dos autores apresente a relação dialógica de forma bidimensional (entre os interlocutores, e entre os textos); em Souza, encontramos as relações dialógicas, defendidas por Bakhtin, como apresentando uma forma tridimensional (com base em SOUZA, 1999, p. 80 – 82, 88):
a) o micro-diálogo: o diálogo interior, inserido dentro de uma pequena temporalidade. Dimensão psicológica e subjetiva do enunciado (discurso de um orador, curso de um professor, reflexões em voz alta). “discurso monológico”;
b) o diálogo no sentido estrito: o diálogo realizado em uma determinada situação, inserido em um tempo imediato, em que existe alternância de sujeitos;
c) o diálogo no sentido largo/o grande diálogo/ “diálogo inconcluso”: o diálogo que ocorre no fluxo das palavras, inserido na grande temporalidade. Corresponde ao enunciado do Outro no enunciado do ‘ eu’.
Assim, logo no primeiro parágrafo do exemplo 2: V. Exª poderá exercitar não só a jurisdição, mas tomará parte dos destinos da administração do Poder Judiciário. E é nesse aspecto – o administrativo – que residem os maiores problemas da Justiça brasileira, o sujeito dialoga com seu interlocutor, o Outro é evocado para participar da interação verbal (tipo b acima). O mesmo ocorre mais adiante no quarto parágrafo: A pletora de processos – não se enganem – jamais deixará de crescer, em que a expressam que destacamos é um chamado para dialogar com os presentes no evento discursivo.
À parte os fragmentos comentados acima, identificamos a contribuição do dito do Outro no interdiscurso e na memória do dizer manifestada pelo magistrado nessa enunciação através da heterogeneidade constitutiva. Não são palavras exatas que são relatadas, porém observamos que o conteúdo está carregado de informações que são ditas por um dito já anteriormente expresso “(...) E é nesse aspecto – o administrativo – que residem os maiores problemas da Justiça brasileira”. Como tal, percebe-se que nessa produção é articulado o que já existe armazenado na sua memória, o interdiscurso, com o contexto sócio-histórico ideológico. Promovendo uma relação de alteridade, as palavras são assimiladas pela memória discursiva do locutor e do interlocutor; o que notamos estar representado nesse exemplo quando o magistrado retrabalha com suas palavras para dar enfoque aos problemas da Justiça brasileira. “Muito se tem feito e haverá sempre muito que fazer. A litigiosidade crescente, os novos direitos, o aumento da população, a sofisticação da criminalidade, entre outros, são fatores que pressionam a máquina judiciária por cada vez maiores índices de produtividade”. Assim, reacentuando os problemas maiores e enfatizando com seu tom avaliativo, revela os pontos desfavoráveis que são evidenciados na máquina judiciária. Conforme é dito por Bakhtin (2004), a enunciação é produto da interação social, ela não nasce do interior do sujeito e sim do seu exterior; está situada no meio social que lhe envolve, ou seja, da comunidade discursiva que faça parte. “Sabemos todos, porém, que o juiz é um ser humano como outro qualquer. Por isso, face à sua condição humana, não pode suportar sozinho toda essa pressão, sem que arque com graves danos à sua pessoa ou aos jurisdicionados”. O magistrado, abstraindo-se de marcas referenciais, interage com uma multiplicidade de vozes e enuncia, sem nomear, os princípios ideológicos que estão assujeitados no seu pré-construído. Por essa interação dialógica é visto que o dito coexiste com o já dito, o que está sendo enunciado não pertence ao enunciador, vozes distantes, anônimas, impessoais, ecoam no momento da fala, concretizando o produto do discurso.
6. (In)Conclusão
Seria um desafio, ou mesmo, seria incoerente falar em conclusão quando estamos lidando com categorias discursivas inconclusas. Para Bakhtin o “ grande diálogo” está em um diálogo não–concluído, retomamos, para confirmar, a classificação apresentada no item 5.
c. o diálogo no sentido largo/o grande diálogo/ “diálogo inconcluso”: o diálogo que ocorre no fluxo das palavras, inserido na grande temporalidade. Corresponde ao enunciado do Outro no enunciado do ‘ eu’.
Ainda para Bakhtin (apud SOUZA, 1999, p. 83), “ o enunciado existente, surgido de maneira significativa num determinado momento social e histórico, não pode deixar de tocar os milhares de fios dialógicos existentes, tecidos pela consciência ideológica em torno de um dado objeto de enunciação, não pode deixar de ser participante ativo do diálogo social”. Assim, nosso enunciado, com certeza, continuará nos outros fios dialógicos que surgirão.
7. Referências
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 11ª ed. São Paulo: Hucitec, 2004.
______. Problemas da poética de Dostoievski. 2ª ed. Rio de janeiro: Forense Universitária, 1997.
BRAIT, Beth (Org). Estudos enunciativos no Brasil. São Paulo: Pontes, 2001.
COURTINE, Jean-Jacques. A estranha memória da análise do discurso. In: Michel Pêcheux e a análise do discurso: uma relação de nunca acabar. São Paulo: Claraluz, 2005.
MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso. 3ª ed. Campinas: Pontes/ Editora da UNICAMP,1997.
______ Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2001.
MALDIDIER, Denise. A Inquietação do Discurso: (re)ler Michel Pêcheux hoje. Tradução de Eni P. Orlandi. Campinas: Pontes, 2003.
MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (Org.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. 4ª ed. v. 2. São Paulo: Cortez, 2004.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e Texto: formulação e circulação dos sentidos. 2ª ed. São Paulo: Pontes, 2005.
SOUZA, Geraldo Tadeu. Introdução à teoria do enunciado concreto do círculo Bakhtin/Volochinov/Medvedev. São Paulo: Humanitas, 1999.