ADJETIVOS RETIRADOS DE JORNAIS DE CUIABÁ
DO SÉCULO XIX

Natalia Roseira (UFMT)

 

INTRODUÇÃO

Este artigo objetiva apresentar parte da pesquisa que desenvolvi no mestrado em Estudos de Linguagem. Tomando por base jornais editados em Cuiabá no século XIX, analisei a linguagem verbal e não verbal utilizada em alguns periódicos de caráter noticioso que circularam nesta capital no período de 1847 a 1899. Fiz um levantamento dentre outros, dos adjetivos citados nos jornais por mim selecionados, organizando-os em um glossário, e pesquisei a definição deles em três dicionários, dois contemporâneos, de 2001 e 1999, e um do século XIX (1813). Nesse artigo  falo apenas dos adjetivos encontrados nos jornais do século XIX por mim estudados. Tais jornais foram microfilmados pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e estão arquivados no Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional (NDIHR) da UFMT. Alguns deles, quatro originais, estão arquivados na Casa Barão de Melgaço.

Discuto na dissertação, os aspectos técnicos da prática jornalística, com o objetivo de descrever o fazer jornalismo no século XIX, em Cuiabá. Na perspectiva teórica da crítica textual, analiso as notícias veiculadas nestes jornais, e a forma como elas são apresentadas, atuando, em especial, na função transcendente da atividade filológica, que consiste em transformar o testemunho escrito – neste caso, a técnica jornalística – num instrumento que permite que a história do jornalismo em Mato Grosso possa ser reconstituída e, ao mesmo tempo, oferecer ao leitor material que lhe permita perceber a visão de profissionais da imprensa de então em relação ao cotidiano social, cultural, político e econômico no contexto histórico do século XIX.

Analisei os jornais: A Imprensa de Cuyabá (07/08/1859), A Situação (05/09/1869), O Povo (21/01/1879), O Argos (30/04/1882), Echo de Cuiabá (06/03/1884), e O Clarim (18/07/1894).

Também situo o leitor neste artigo, quanto à época em que os jornais pesquisados foram editados, e apresento resumidamente a situação política, econômica e social vivida por Cuiabá e pelo país, na ocasião.

 

CONTEXTO HISTÓRICO

O estudo do contexto histórico em que vivia Mato Grosso, quando foram editados os jornais que formam o corpus desse trabalho, foi realizado tomando como base autores como Elizabeth Madureira Siqueira, Rubens de Mendonça, Estevão de Mendonça, José de Mesquita, Joaquim Ferreira Moutinho, entre outros.

De acordo com os autores acima citados, no período entre 1847 e 1899, quando o Brasil se encontrava no denominado período Imperial, Mato Grosso havia recém saído de um dos movimentos regenciais mais vigorosos da época, que foi a “Rusga”, uma luta armada travada no interior das elites, ocorrida em Mato Grosso em 1834.

Assumindo o governo o Coronel João Poupino Caldas no dia 26 de maio de 1834, quatro dias depois a 30, por volta das 11 horas da noite “se ouviu tocar rebate de cornetas e caixas de guerras, tiros de arcabuzes, e gritos de morram os bicudos. Na escuridão da noite apenas se ouviam barulhos de machados e alavancas arrombando as portas dos negociantes adotivos ali residentes”. O nome de bicudo era alcunha pejorativa que os cuiabanos davam aos portugueses. A “RUSGA” foi o movimento armado de 30 de maio de 1834, a noite de São Bartolomeu mato-grossense, em que a massa popular se agitava iracunda, o povo reclamava a retirada dos portugueses do solo pátrio.  (Mendonça, 1982:30).

Foi nessa época, após a decadência das Minas Gerais no extrativismo mineral, que a província de Mato Grosso encontrava uma solução para o problema de comunicação com o litoral, feita até então por caminho terrestre.

De acordo com historiadores e escritores de Mato Grosso pesquisados para o desenvolvimento desse trabalho, foi assinado o Tratado de Aliança, Comércio, Navegação e Extradição entre o Brasil e a República do Paraguai, dessa forma o Brasil pode se ligar ao Rio de Janeiro e a São Paulo utilizando a navegação pelos rios Paraguai e da Prata.

Apesar do tratado, a negociação com o Paraguai para a abertura da hidrovia não durou muito tempo. Em 1865 o governo paraguaio aprisionou o navio Marquês de Olinda, e rendeu o novo Presidente da Província de Mato Grosso, Frederico Carneiro de Campos que viajava no navio a caminho de Mato Grosso, e foi declarada a guerra do Paraguai, que durou cerca de cinco anos (1865-1870).

A história indica que ao terminar a guerra, quase metade da população, que não tinha sido diretamente atingida pelo conflito, faleceu vitimada pela “varíola”, conhecida pelo nome de “bexiga”.

Conforme relatos de estudiosos do tema, após a guerra do Paraguai, Mato Grosso viveu um novo tempo, se abrindo para o capital internacional. Chegavam, especialmente da Europa, ao comércio mato-grossense; tecidos, sapatos, luvas, lustres, mobiliários, champanhe, chocolates, chás, remédios, ferramentas, e muitos outros produtos.

Nesse período, foram publicados os seis jornais estudados nessa pesquisa. Nessa época também circularam em Mato Grosso diversos outros jornais. Esses documentos estão arquivados em microfilmes no NDIHR. Entre eles está o primeiro jornal a circular no estado que foi o “Themis Matogrossense” (1839), e também estão, o “Cuiabano Official”, de 1842, o segundo jornal que circulou em Cuiabá, e a “Gazeta Cuiabana” – terceiro jornal a surgir em Mato Grosso, que circulou nos anos de 1847 e 1848. Depois vieram, “Echo Cuiabano” (1850), “O Noticiador Cuiabano” (1857 e 1859), “A Imprensa de Cuyabá”, (1859 a 1865), “O Popular” (1868), “A Situação” (1869 a 1871, 1878 a 1881, 1882 a 1884 e 1887), “O Liberal” (1871 a 1873, 1879 a 1881 e 1882), “O Porvir” (1877 e 1878), “O Povo” (1879, 1880 e 1882), “Província de Matto Grosso” (1879, 1880, 1881, 1882, 1884, 1885, 1886, 1887, 1888, 1889), “Argos” (1882), “Club Litterário” (1882), “A Locomotiva” (1882 e 1883), “Pyrilampo” (1882), “Athleta” (1884), “Echo de Cuyabá” (1884), “O Expectador” (1884, 1885, 1886, 1888), “A Liça” (1885), “A Tribuna” (1885, 1886, 1887, 1888, 1889, 1890), “A Gazeta” (1889, 1890, 1891), “O Matto Grosso” (1890, 1891, 1892, 1893, 1894, 1895, 1897, 1898), “A gazeta Official do Estado de Matto Grosso” (1893), “O Clarim” (1894), “A Verdade” (1894 a 1896), “O Republicano” (1895 a 1899), “O Filhote” (1899). O NDIHR tem arquivados pelo menos 26 títulos de jornais da época.

 

COMENTÁRIOS SOBRE OS ADJETIVOS
QUE FORMAM O GLOSSÁRIO

No século XIX os jornais editados em Cuiabá tinham certas peculiaridades que os diferenciam dos jornais de hoje. Os periódicos pesquisados traziam um número visivelmente grande de adjetivos, o que não ocorre atualmente nos jornais, em se tratando de texto noticioso, que é o tipo de texto ao qual me refiro neste trabalho. Por esse motivo, pelo fato de os adjetivos serem condenados pelo jornalismo contemporâneo, além da subjetividade que tal classe apresenta, optei por selecionar os adjetivos presentes nos jornais e montei um glossário a partir deles.

Fiz um glossário com quatro colunas. Na primeira coluna registrei os adjetivos, encontrados nos seis jornais, e os dispus no quadro em ordem alfabética, denominando de “entrada”.

Na segunda coluna, que denominei “acepção”, escrevi as definições que encontrei em três dicionários pesquisados, dois contemporâneos, de 2001 e 1999, e um do século XIX (1813). Tais dicionários são: “Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa”, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, editado no Rio de Janeiro pela editora Nova Fronteira em 1999, “Dicionário Houaiss da língua portuguesa”, de Antônio Houaiss, editado no Rio de Janeiro pela editora Objetiva, em 2001, e o “Diccionario de Lingua Portuguesa”, de Antonio de Moraes Silva, (Fac-símile da segunda edição, de 1813). Cada dicionário foi identificado com as iniciais: A, H, e M, respectivamente para os dicionários dos autores, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Antônio Houaiss, e Antonio de Moraes Silva.

Na terceira coluna registrei exemplos de frases dos jornais onde estão os adjetivos encontrados (exemplos). Copiei as frases exatamente como estão nos jornais. Aos exemplos acrescentei meus comentários, apenas em alguns adjetivos, naqueles que considerei relevantes.

Na quarta e última coluna registrei o número de vezes que cada adjetivo apareceu em todo o corpus do trabalho (os seis jornais), e qual a localização deles. Considerei os jornais em que apareceram, quantas vezes foram escritos, e em que página, coluna, e linha, respectivamente, apareceram.

Estabeleci para a produção do glossário alguns critérios. São eles: quando aparecer mais de uma ocorrência do mesmo adjetivo, a entrada, e o exemplo, são o adjetivo que estiver no masculino singular, se não houver, o exemplo que vai aparecer estará no feminino singular, ou masculino plural, ou ainda no feminino plural, nessa ordem.

Se aparecer mais de uma vez o termo no mesmo jornal, o exemplo citado vai ser o primeiro que aparece na coluna de localização. Se o mesmo adjetivo aparecer várias vezes, nos diferentes jornais, todos os adjetivos serão localizados na última coluna, mas apenas um exemplo aparece na penúltima coluna, de preferência, o exemplo que trouxer o adjetivo no masculino singular, a menos que não haja este caso.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo proposto nessa apresentação foi descrever o fazer jornalismo em Cuiabá no século XIX. Sendo assim devo dizer que ao me defrontar com as mais variadas notícias, com os periódicos de então, a linguagem utilizada neles, e comparando os aspectos técnicos da prática jornalística da época com os da contemporaneidade, optei por me colocar na perspectiva teórica da crítica textual, analisar as notícias veiculadas nos jornais de caráter noticioso que circularam nesta capital no período de 1839 a 1899, e a forma como elas são apresentadas, atuando, em especial, na função transcendente da atividade filológica.

De acordo com o que propus ao iniciar o trabalho, levantei aspectos técnicos da prática jornalística como diagramação, uso ou não do lide, das retrancas, a divisão em categorias, a primeira página, a redação, o expediente, a paginação, entre outros aspectos.

Quanto ao glossário de adjetivos, quando comecei a organizá-lo, percebi que havia nos jornais muitas palavras escritas de forma diferente da qual escrevemos hoje. Havia nesses jornais o uso de letras dobradas, acentuação como não usamos atualmente, pontuação diferenciada da de hoje, e em alguns momentos não se pode ter certeza se as manchas que aparecem nos jornais são acentos, ou erros de tipografia. Outra questão que observei é que as máquinas usadas para a impressão dos jornais vinham da Europa, o que pode explicar o fato de as impressões terem todas essas diferenças.

Ao que tudo indica, no século XIX haviam variações ortográficas, encontradas nos jornais pesquisados, atestadas em épocas anteriores, como mostra a história da ortografia da língua portuguesa em Coutinho (1976:71, 72).

Observei também que em alguns casos, os adjetivos não foram registrados no dicionário do Moraes por terem aparecido após a publicação da obra, ou por terem grafia diferente.

Para Coutinho, a ortografia foi modificada a partir do trabalho “Ortografia Nacional”, de Gonçalves Viana, que serviu de base às reformas na área que vieram depois. Para melhor compreensão do que foi a evolução na ortografia, Coutinho divide a história da ortografia em três períodos; o fonético, o pseudo-etimológico e o simplificado.

O período fonético compreende desde os primeiros documentos redigidos em português até o século XVI, quando ele considera que a língua era escrita para o ouvido. O período pseudo-etimológico, que se iniciaria no século XVI e iria até 1904, quando aparece a obra “Ortografia Nacional”, de Gonçalves Viana. De acordo com Coutinho,

O que caracteriza este período é o emprego de consoantes geminadas e insonoras, de grupos consonantais impropriamente chamados gregos, de letras como o y, k, w, sempre que ocorriam nas palavras originárias. (1976:72)

Já o período simplificado iria de 1904 até a contemporaneidade e seria dividido em dois sistemas, o português e o luso-brasileiro.

Tal retorno histórico permite, se não explicar por completo, entender a razão de os jornais pesquisados, terem os níveis de escrita diferenciados verificados na pesquisa. O glossário deixa assim a mostra, como se escrevia, e também como se falava, como era a comunicação de então. Os termos, as frases, o uso dos adjetivos, de forma a apresentar determinados significados.

Fazendo uma retomada da proposta inicial do trabalho, é preciso lembrar que ao selecionar o corpus para a pesquisa, escolhi seis jornais editados em Cuiabá no século XIX, A Imprensa de Cuyabá (07/08/1859), A Situação (05/09/1869), O Povo (21/01/1879), O Argos (30/04/1882), Echo de Cuiabá (06/03/1884), e O Clarim (18/07/1894). Tive acesso ao original de quatro deles, dois não foram localizados e me utilizei de cópias digitalizadas.

Encontrei quatro dos seis jornais selecionados na Casa Barão de Melgaço. Era apenas uma cópia de cada jornal, os outros dois com que trabalho nesta dissertação não foram localizados.

Esse trabalho não esgotou ainda o assunto, há muito que pesquisar e descobrir. Mas a pesquisa para a dissertação trouxe dados valiosos para fazer novas pesquisas. Ela nos permite ainda apoderar da história de Cuiabá, e daqueles que lá moraram, e nos estimula a pesquisar, estudar, e aprofundar no passado, para reconstruí-lo.

 

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