A expressão indefinida ‘Quem’
na constituição da referência proverbial

Priscila Brasil Gonçalves Lacerda
p7brasil@gmail.com

 

Apresentamos aqui uma reflexão sobre a configuração semântica e enunciativa da expressão pronominal indefinida "Quem" tomando como base a sua figuração em provérbios como "Quem com ferro fere com ferro será ferido" ou sentenças genéricas de natureza proverbial, freqüentemente encontradas em slogans publicitários como "Quem é especial merece Nestlé!". Temos por objetivo compreender a atuação dessa expressão na constituição da referência própria de sentenças proverbiais. Podemos observar que "Quem", diferentemente do nome "passarinho", por exemplo, na sentença genérica "Passarinho que acompanha morcego dorme de cabeça para baixo", não encapsula em si mesma uma memória de sentidos e, por isso, descreve um perfil delimitado inteiramente pela predicação que a acompanha na articulação sintática. Assim, ela descreve um prospecto de referência cujo domínio é completamente determinado pelo predicado, o que nos faz reconhecer nessa expressão o compromisso de apontar o modo de referir em que se configura a sentença proverbial e não propriamente o compromisso de delimitar um domínio de referência. A partir deste trabalho e em congruência com o nosso interesse no desenvolvimento de uma sintaxe de bases enunciativas, acreditamos que poderemos contribuir para uma reflexão a respeito da especificidade exercida pela configuração do lugar sintático de sujeito na configuração do status enunciativo de sentenças proverbiais, que se caracterizam por perfazerem uma referência genérica, i.e., um índice de referência não saturado sequer nas instâncias enunciativas que a atualizam. E essa contribuição nos parece possível precisamente porque a expressão "Quem", intercambiável por "Aquele que", só pode figurar em constituintes oracionais e, dentro destes, deve estar alocada no lugar de sujeito gramatical; exclusividade atestada pela não-aceitabilidade de sentenças como "(?) Produtos Nestlé são merecidos por quem/aquele que", em que deslocamos a expressão do lugar de sujeito gramatical. Diríamos, portanto, que o modo de referir genérico parece estar constitutivamente ancorado no sujeito gramatical.