O VELHO TROPEIRO

 

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Era dia de festa na Fazenda.
Todos os peões dos arredores, colonos e amigos do fazendeiro, tinham sido convidados para assistir ao desbravamento do Dourado.
A fama do burro enchia os rincões da vasta província de Minas, chegando a ser tão proverbial que se não pejavam os vates sertanejos de comparar o coração das matutas, que lhes recusavam os galanteios, à insubmissão do animal.
Criado à lei da natureza, nos pastos altos e verdejantes da fazenda, entre o gado barbatão, tornara-se o Dourado um animal corpulento, assomado e bonito. Viera-lhe o nome da cor fulva do pelo, que tinha ao sol faiscações metálicas de ouro.
Cabeça angulosa que ele, por hábito, trazia sempre entonada, pescoço volumoso e largo, em harmonia com a sua estatura atlética, emprestavam-se um certo ar de majestade e força, que intimidava logo, à primeira vista, os mais intimoratos desbravadores.
A primeira vez que ele fora montado, contava apenas dois anos e meio de idade. E, apesar de ser amansador, peão de grande fama, o burro tanto fez, saltou tanto, que deu com ele no chão estatelado, contundido.
No ano seguinte, foi ele novamente experimentado. Desta vez, pelo Firmo, molecote nascido e criado na Fazenda, o qual começara a vida montando em pelo, no pastoreio, os potros bravios, e granjeara depois a mais justa e merecida nomeada de peão invicto. Mas o Dourado não esteve pelos pergaminhos do cabra, e sacudiu-o fora, com fama e tudo, mal o pressentiu no lombo. Pobre Firmo! Não foi a desgraça de ter partido, na queda, uma das costelas, o que o magoou para o resto da vida, mas a de ter perdido a fama, tão legitimamente alcançada, de amansador intrépido. Isso, sim, que o magoou no resto dos seus dias. Se ainda prestasse para alguma coisa, havia de mostrar ao burro que ele, Firmo, não era inimigo para desprezado. Mas, doente como andava, pobre dele! Que poderia fazer? E chorava como uma criança.
Dias antes de morrer, ainda se recordou, entre lágrimas, dessa derrota fatídica, que lhe pôs um ponto final na carreira gloriosa.
A outra vez que esteve à prova a resistência do Dourado, foi entre os varais de uma carroça, atulhada de pedras. Não obstante ser a arreata nova, e do melhor couro, o burro não se deu por achado, e tanto saltou e curveteou, que as correias afrouxaram, e ele abalou, ornejando às upas, em galope desabalado, pelo campo afora, levando consigo, pendentes, restos do jaez despedaçado.
Desse dia em diante, resolveu-se o fazendeiro a não mais inquietá-lo. A boa estrela de Dourado parecia garantir-lhe um futuro feliz, sem os trabalhos e canseiras dos seus irmãos, quando, subitamente, com a chegada de uma tropa aos seus domínios, muda o coronel Severiano de resolução. O caso se passou do seguinte modo.
Em conversa com os tropeiros, falou-lhes o coronel na existência do Dourado, contou-lhes as suas façanhas ardidas, exaltando-lhe muito o vigor inquebrantável e índole insubmissa.
Os tropeiros, farejando no caso uma ocasião propícia a se tornarem conhecidos, naquelas bandas, ofereceram-se para amansar o burro. A isto os levava não só a vaidade, aliás muito justa, de ver o seu nome proclamado por todas as bocas, mas também o desejo natural da aventura. Não seriam eles descendentes legítimos desses heroicos desvirginadores do sertão, denominados bandeirantes, se não herdassem destes o instinto aventureiro que os caracterizava.
A aventura empolga o tropeiro. As intempéries das estações, os imprevistos do caminho, os ataques dos salteadores, as ciladas das feras, atuam-lhe diretamente sobre a alma, modelando-a para os lances perigosos, para as sortidas arriscadas, onde a vida lhe anda pendente apenas de um fio.
Consciente do seu valor, em tantas proezas comprovado, de cócoras em torno do fogo, que costuma fazer nos ranchos de pousada, fala o tropeiro dos projetos que vai executar, no dia seguinte, dos perigos a que vai expor-se, com a mesma indiferente fleugma, com que um inglês escorropicha um copo de whisky.
A morte torna-se-lhe familiar, tantas vezes se encontram, frente a frente, na vasta arena da vida. Não admira, por isso, que o fato do desbravamento do Dourado fosse, para os tropeiros, uma coisa assentada, certa. A resolução pronta é um dos aspectos particulares da sua índole altiva.
Produto híbrido da fusão étnica de três raças diversas, o tropeiro, mais que qualquer outro, conserva, bem vindicadas na alma, as influências atávicas, refletindo, nos seus atos, os característicos próprios de cada uma delas – as suas virtudes e vícios, exaltações e abatimentos, arrojos e temores. Assim, alia a intrepidez heroica dos povos peninsulares e o instinto guerreiro dos silvícolas americanos, à resistência fantástica dos negros áfricos, com as suas crendices ingênuas e superstições grosseiras. Deste modo se aplica a atitude contraditória desse homem que, nos lances difíceis e arriscados, mostra a serenidade estoica e a coragem ardida de um semideus da fábula, ao passo que se enconcha no pouso, a tiritar de medo, se ouve o chirrio agoureiro de uma coruja noctívaga ou o uivo longínquo de um cão errabundo. E é de vê-lo, então, todo ouriçado, cabelos hirtos, mãos crispadas, olhos de fogo a esbrasear nas trevas, esperando, pávido, ver desenhar-se a cada momento, diante de si, a figura exótica do saci matreiro ou o perfil cochino do diro lobisomem.
Capaz de arrancadas radiantes, de surtos heraclianos, é, todavia, o mais supersticioso dos homens que o firmamento cobre. Basta um pequeno acontecimento fortuito para determiná-lo a interromper, de vez, uma empresa começada.
Desde cedo apresentava a Fazenda o aspecto alegre dos dias de festa. Nas portas e janelas, apinhavam-se, ansiosas do espetáculo, as pessoas amigas, que o coronel tivera o cuidado de convidar de véspera.
O espoucar azoinante da cana engastalhada, a gemer, entre as grossas moendas; o chiar estrídulo dos carros, abeirando-se do picadeiro; o escachoar frenético da água na roda da azenha, dos dias comuns, eram compensados pelo mugir raucíssono do gado em descanso, e pela grita folgazona do povo, na cerca do curral, contemplando, embevecido, a estatura olímpica do Dourado, que o encarava, atrevido, em ar de desafio.
A presença do burro causava às pessoas presentes uma espécie de enlevo ou fascinação, que as faziam desmandibularem-se em interjeições admirativas, qual mais encomiástica.
Dos tropeiros, alguns já se arguiam da precipitação com que se ofereceram para amansar o burro. Deviam ter procedido mais sensatamente. Aquilo não era animal que se montasse. Já havia passado da quadra. Demais, uma voz interior dizia-lhes que se abstivessem de montar no mulo. O seu pelo luzidio, rociado de orvalho, despedia, ao sol da manhã, cintilas rútilas de fogo. Os olhos faiscavam-lhe, em reto, sob as cerdosas pálpebras inquietas.
O coronel estava a não caber em si de contentamento, com a impressão que o burro causava aos presentes.
O velho tropeiro, a que não passava desapercebido o estado de ânimo dos companheiros, chamou-os em particular. Falou-lhes, para acender-lhes a cobiça, na grossa paga que o coronel prometia ao desbravador do mulo. Espicaçou-lhes o brio, dizendo que naquele momento estava em jogo a honra da tropa. Escolhessem, pois, entre seu futuro de glória ou uma vida ignominiosa, coberta de sarcasmos e baldões. Sim, porque a desistência importava, na solenidade daquele instante, no rompimento da palavra empenhada, ao mais refinado ato de covardia.
Um silêncio profundo sucedeu às palavras revoltadas do velho peão. Travou-se a luta no interior daqueles homens rudes.
Mas a voz do coração – lei poderosa a cujo influxo nem os heróis escapam – venceu neles os últimos pruridos da consciência.
Um prontificou-se a montar o animal em qualquer outra ocasião, mas que naquela lhe era totalmente impossível. Toda a santa noite não pudera conciliar o sono, pelo que estava arvoado, indisposto.
Apelou outro para uma cefalalgia incômoda que o perseguia, com insistência, desde a véspera.
Invocou o terceiro, em seu socorro, ao velho comparsa de travesseiro – o maldito reumatismo – que, com as revoluções da lua, lhe andava a provocar fortíssimas dores pelo corpo. E assim cada qual apresentou as suas exculpas como melhor pôde e foi Deus servido ajudá-lo.
O velho tropeiro quedou-se, algum tempo, pensativo. Depois, sacudindo a cabeça numa resolução súbita, se encaminhou para o sítio onde o coronel, pletórico, recontava aos amigos , pela décima vez, as façanhas do Dourado.
– Coronel, acabo de obter dos meus colegas a honra insigne de ser o montador do burro. Sou velho, mas isso pouco importa ao caso. A velhice não é desdouro. Apesar destes cabelos brancos que o senhor está vendo e destas corricas , não me troco por muitos moços que há por este mundo de meu Deus. A minha vitória, na luta, servirá para mostrar que os velhos não são esses trastes inúteis, que muitos estouvadamente apregoam. Ao contrário, se sucumbir, encontrarei na sublimidade desse feito, um fim digno de minha vida aventureira, passada toda ela sobre o lombo das cavalgaduras.
Uma condição apenas exigia, e era que o Dourado lhe pertencesse. Para isso, oferecia, em cambalacho, ao coronel, três dos seus melhores animais da tropa. Aceita a condição, mergulhou na bastida, reaparecendo dentro do curral.
O sol da manhã nimbara-lhe de luz o vulto esgalgueirado e as barbas de ancião, mais brancas do que a cal, emprestavam-lhe certo ar de majestade, que a sua resolução heroica sobremaneira realçava.
Relanceou a vista pela corpulência atlética do burro que, impaciente da demora, escarvava furiosamente o chão. E parece que aquele exame rápido o satisfez, porque ele tomou o lombilho e se dispôs a arreá-lo.
Matreiro como todos os muares, o Dourado não opôs a menor resistência ao arreamento . Aparentava ser um burro submisso, manso.
Mas essa submissão simulada, que os presentes tomaram como verdadeira, em nada modificou a opinião que dele fazia o velho tropeiro. Conhecia sobejamente as alicantinas desses maganos, para se deixar ilaquear nas suas redes.
Depois de o ter encilhado, puxou-o para fora do cercado, passeando-o pelo cabresto, em presença do povo reunido, no vasto terreiro da Fazenda.
O burro engalava, olhando, desconfiado, a multidão irrequieta.
O seu andar macio e solerte, mal roçando os cascos no chão, tinha o garbo solene dos alfarios, ajaezados a ouro, dos fidalgos medievais, nas justas palacianas.
um momento em que as bocas se rasgavam em hiatos de admiração e os olhos se aguçavam para não perder transes mínimos da luta. É que o velho tropeiro, mais ágil do que uma seta, que mão hábil desferisse, havia alcançado o lombilho.
Também era tempo.
O mulo, sentindo o peso do cavaleiro sobre o lombo hirsuto, negaceou o corpo como a estranhar a audácia do peão, e arrancou, aos galões, pelo campo afora, corcovando aos urros, encouchando-se aqui, para altear adiante a sua estatura hercúlea.
Um córrego, que enrolava preguiçosamente as águas cristalinas, fumando à manhã clara, foi transposto apenas de um salto.
Cavaleiro e burro fundiram-se num bloco animado, espinoteante, que parecia atraído para o espaço por um turbilhão de forças desencontradas. Onde passavam, estendiam escombros. Galhos esnocados dos troncos, ninhos esfacelados – assinalavam-lhes por toda a parte a marcha tumultuosa.
Embebidos na contemplação da cena grandiosa, os espectadores mussitavam coisas ininteligíveis à proporção que os lances arriscados se sucediam, ou ficavam, extáticos, de bocas escanceladas, retendo no peito o coração inquieto, para concentrar nos olhos toda a acuidade possível.
Na arrancada vertiginosa em que iam, mal se apercebiam dos perigos que os cercavam de todos os lados. Escavações profundas que antigos oleiros havia feito no campo, para a extração do barro de telha, abriam tentadoramente as fauces negras, em sorvedouros medonhos.
Um momento esteve em jogo a vida de ambos os contendores. Foi quando o Dourado, galgando às upas, o monte que está situado defronte da Fazenda, ameaçou descer pela rampa íngreme, cavada quase a prumo na sua face lateral, tão alta que a vista se empana em vertigem, ao contemplar, lá embaixo, o chão gredoso, eriçado de híspidos abrolhos.
As patas dianteiras do mulo riscaram, em relâmpago, o ar, e o seu corpo esteve, por alguns instantes, oscilando em equilíbrio instável, entre o espaço e o abismo, apenas apoiado sobre os traseiros, que se acravaram no solo resvaladio.
A mais leve inclinação para a parte inferior determinaria fatalmente a queda fragorosa nas arestas agudas do despenhadeiro e a morte tétrica de ambos os combatentes.
Cônscio do perigo iminente que o ameaçava, o velho tropeiro, munido de resolução súbita, estirou os braços para frente, colhendo as rédeas bem junto ao queixo do burro, e, num repelão enérgico, que punha em evidência o vigor inquebrantável dos seus músculos, obrigou-o a voltar-se para o lado superior do monte. Já a terra começara a ceder sob os cascos do animal.
Esfalfado, quase vencido, sentia o Dourado que era chegada a hora da humilhação. Escasseavam-lhe as forças, o cansaço abatia-o. Mas a sua índole indomável, que toda se revoltava ante a perspectiva da derrota, supeditou-lhe energias novas, e ele arremeteu de novo, rebusnando de raiva impotente, pela encosta abaixo, numa estropeada infrene, ferindo-se nas galhas secas e assustando os bandos de rolas que andavam mariscando no solo fofo da derribada. Não era mais a luta ponderada, medida e leal que o burro oferecia ao seu adversário; era o desespero, a loucura do gladiador perdido, que se não poupa a golpes para escorchar na arena, exangue, o inimigo invencível. O velho tropeiro, porém, parecia colado ao lombo da furibunda montaria. Curvado para a frente, fincava os joelhos na cabeça do lombilho, espicaçando o burro com os calcanhares, se ele acontecia parar, amuado.
Por fim, estazado de tantas arremetidas infrutuosas, o Dourado foi afrouxando, diminuindo os saltos, até que se estatelou arquejante, de pernas abertas, suando em bicas, no meio do terreiro. Fazia pena ver o burro altivo, ali humilhado, abatido, cabeça derreada, como a ocultar a vergonha de que se achava possuído. Duas grossas lágrimas gotejaram-lhe dos olhos tristes, deslizando-lhe tristemente pelas faces anegadas de suor.
O Dourado chorava.
Não era a afronta da derrota a causa exclusiva da sua dor, mas a privação da liberdade em que nascera, da liberdade em que nascera e vivera, até aquele dia aziago, que marcava para ele um futuro cheio de vexações e trabalhos.
Dantes, era a sua vontade a bússola única que o roteava através dos campos virentes da Fazenda natal. De agora em diante, teria que se submeter a outra vontade, estranha à sua, absurda, categórica, incontrastável.
Ao tapiz aveludado das ervas amigas, que lhe afogava os passos rijos, na verdura freixa, sucedia agora o leito exsicado e fragoso dos caminhos ásperos.
Não havia na Fazenda madrugador mais solerte do que ele. Ainda ressonava na malhada, fumando à luz dúbia da aurora, o gado adormecido, e já ele andava pelos chapadões taciturnos, despertando com o estalido de ramos à sua passagem, os pássaros sonolentos, aninhados sob cúpula verde das árvores copadas.
Quando, na adufa punícea do levante, aparecia a face rosada do astro diurno, encontrava-o sempre a pascer tranquilamente nas serras alcandoradas, o capim úmido do zimbro da noite. Nem as águias pousadas nas agulhas negras das broncas penedias, lhe podiam disputar a prioridade na contemplação da luz.
E agora, e agora?
Contemplá-lo-ia, é verdade, mas do interior dos cercados, preso à espera do serviço diário, depois de ter ele percorrido montanhas e vales, derramando a policromia da sua luz benéfica sobre as outras criaturas livres.
E o mísero muar, de cabeça baixa, mazombo, via, em perspectiva dolorosa, aproximar-se do curral, todos os dias, o vulto anguloso do recoveiro, de cabresto em punho, para conduzi-lo ao trabalho.
Condoído do mísero animal, o tropeiro apeou-se. Agora que a sua prosápia estava quebrantada, podia, cavalgando-o, forçá-lo a passar diante do povo reunido para mostrar-lhe que a vitória lhe coubera, a ele, peão. Mas a alma do sertanejo é nobre demais para tirar partido de um adversário inerme.
Depois, aquele burro não era um animal vulgar. Merecia-lhe bem semelhante ato de deferência.
Mal assentou o pé em terra, sentiu o velho desbravador um como véu de névoas denso sombrear-lhe a vista.
Cambaleando como um ébrio, ensaiou alguns passos sobre a vasta esplanada, mas as pernas se lhe afrouxaram núm vágado, e ele caiu, desmaiado, no solo.
Quando tornou a si, já os espectadores o cercavam, solícitos. Levou as mãos ao peito que lhe doía profundamente, alongou, num esgar, o pescoço esgalgado, e a primeira de sangue borbotou-lhe, rubra, dos lábios em febre.
– Morto – gemeu, num balbucio.
O sangue refervia, em catadupas, escachoando-lhe, em jatos fortes, das narinas dilatadas e da boca desmedidamente aberta. à primeira golfada, sobreveio a segunda, a terceira...
Fixando as pupilas mortas no coronel, que lhe amparava caridosamente o busto, falou-lhe em voz quase imperceptível:
– A minha missão está cumprida. Morro satisfeito. Só me faltava este lance glorioso para remate da minha vida aventureira. Não se esqueça de que o burro me pertence. Escolha, entre os animais da tropa, os três que em troca lhe ofereci. Não tenho família. Os outros, ficam aos meus caros companheiros de destino. Agora, coronel, um pedido – e lembre-se de que esse pedido é formulado pelos lábios de um moribundo – Não quero que o Dourado seja constrangido em sua liberdade. Que ele campeie livre pela selva bruta, como dantes campeava, para que ninguém se possa vangloriar, no futuro, de ter sob suas pernas, o burro valente que matou o velho tropeiro José Pereira da Anunciação.
Estas últimas palavras foram pronunciadas em voz tão sumida que, para entender-lhas, teve o coronel que lhe colar o ouvido à boca.
Depois pediu por acenos ao povo, agrupado em torno dele, que lhe deixasse uma clareira para ver o Dourado. Queria que as suas pupilas ficassem impregnadas da figura olímpica do burro. E foi olhando para ele, sem ódio, embebendo-se de sua imagem, que as suas pálpebras se foram cerrando, cerrando, até que, num arquejo mais forte, a alma lhe voou para sempre do corpo.
Os presentes choraram, comovidos.
O sol, que o velório de uma nuvem ofuscara por alguns instantes, dardejava agora os seus raios mornos sobre o corpo esgrouviado do velho peão, envolvendo-o num halo de claridade intensa.
Longe, nas campinas verdes, onde a luz retouçava, as éguas árdegas aleitavam as crias, nitrindo. Vacas chamavam saudosas pelos filhos presos. Bandos álacres de pombos domésticos passavam, em revoada, pintalgando de sombras esguias o leito fofo da esplanada.
Pássaros cantavam.


De um original manuscrito, em 19 tiras de papel numeradas e bem conservadas. Suponho que este conto é o mesmo a que se chamou de O Dourado, que nunca apareceu. É possível mesmo que tenha sido escrita uma outra versão deste conto com o título de O Dourado.

Foi rasurada a palavra foi, na expressão foi que.

Ardidas – audaciosas, intrépidas; corajosas, audazes; muito disputadas.

Esta palavra pronta é um acréscimo na entrelinha superior.

Esta palavra delas foi um acréscimo na entrelinha superior.

As palavras aos amigos é acréscimo na entrelinha superior.

Corricas – rugas (Cf. AULETE, s.v.)

As palavras ao arreamento é acréscimo na entrelinha superior.

A palavra simulada substitui o adjetivo artificial, rasurado.

As palavras por toda a parte foram acrescentadas na entrelinha superior.

As palavras Por fim foram acrescidas na entrelinha superior, e rasurado o início da palavra Estazado.

O pronome lhe é um acréscimo na entrelinha superior.

O pronome lhe é um acréscimo na entrelinha superior.

As palavras chamavam saudosas substituem outras palavras rasuradas, mas ilegíveis.

As duas sílabas finais de pintalgando foram acrescentadas posteriormente, na entrelinha superior.

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Produção Digital: Silvia Avelar @ 2011