História ao luar

Ao meu bom tio Alfredo

A lua, branca círio de tristeza,
Pálida e fria,
Derrama sobre a calma natureza
Profundas lavas de melancolia.

A brisa aflora, de leve,
As bastas cabeleiras
Das floridas mangueiras
Que têm ao luar colorações de neve.

Lá, embaixo, a água chora à indiferente brenha
Lágrimas de amargura
Contra a mó da azenha,
Que inclemente a tortura.

Da vetusta fazenda, à varanda, assentada
A meninada impaciente fica
Pela demora prolongada
Da tia Chica.

Tia Chica era uma velhinha,
Da petizada verdadeira glória,
Que conhecia toda história
     Da Carochinha.


A boa velha chega.
Há um rebuliço . Busca este uma posição
Cômoda. Aquele esforço emprega
Para afastar o sono e prestar atenção
E tudo pronto,
A velha então começa o canto:

Era uma vez... um rei...
A história da princesa Magalona
É a que desejo ouvir, reclama o João
Zezito não abona
     A eleição,
     Mas é vencido.
     O seu partido
Era o mais fraco e teve que ceder.

Começa a narradora a remexer
     As folhas da memória
     E toda se abandona
     A singular história
Da senhora princesa Magalona.


Era uma vez... uma princesa...
No soalho da varanda o luar bate em cheio
A história ao meio suspende a narradora
É que se lembrara agora
     Da infância descuidosa
     Em que ela também ansiosa
     Por esses pequeninos nadas
     Sentava-se ali mesmo a ouvir
                As histórias das fadas.

     E à luz do luar
Que nas faces a beija afetuosamente
A meninada viu distintamente
Dela nos olhos uma lágrima brilhar.

Tia Chica, por que choras?
Que dor seu peito invade?
Qual é a causa da grande magoa tua?
A uma perguntaram todos.
E ela a enxugar os olhos, suspirando:
     É a saudade...
                É a lua...

05-10-1922
Niterói


O autor usou a palavra “reboliço”, que seria o ato de rebolar, mas achamos que se trata de mera questão ortográfica da palavra “rebuliço”, significando grande agitação, confusão ou desordem; um agrupamento de pessoas movendo-se em desordem e o ruído decorrente desse movimento.

Utilizamos o recurso do itálico para grifar as palavras que aparecem, ora sublinhadas, ora entre aspas. Trata-se apenas de uma uniformização e simplificação.

Princesa Magalona é uma das histórias infantis mais tradicionais da Idade Média, ainda muito recontada no Brasil.

As aspas, nesta última estrofe, indicam mudança de interlocutor, substituindo o travessão.

Produção Digital: Silvia Avelar @ 2011