O camponês

Oh! Que vida alegre!
Não há melhor talvez,
Leva o camponês
Sempre a trabalhar;
A tristeza, às vezes,
Fere-o a contragosto,
Mas não franze o rosto,
Nem lhe embota o olhar.

No terreiro, à noite,
Que o luar prateia,
Faz a frugal ceia
Do fogo ao calor;
Pega na viola,
Tempera a garganta,
Suspirando canta
Uma ária de amor.

Revolve o passado
Vivo na memória
Renova uma história
Que é um romance inteiro;
Um soluço o abafa,
Quanta dor lhe invade!
Chora de saudade
Seu amor primeiro.

A cantiga triste,
De uma unção divina,
Morre na colina
De verde lençol,
Longe um galo canta,
Que tristeza a sua,
Crendo ser a lua
O disco do sol.

Quando chega o sono,
Que a visão lhe empana,
Procura a choupana
O pobre trovador,
Nunca do remorso
Viu o olhar disforme
E, por isso, dorme
Na paz do Senhor.

Quando no oriente
Vem surgindo a aurora,
Há quase uma hora
Que já está de pé;
Oh! que maravilha
De causar espanto:
Escutar-lhe o canto
No eito de café!

Niterói, 04-1923


Versos pentassilábicos.

ária foi sobreposta à palavra canção.

Produção Digital: Silvia Avelar @ 2011