Nunca viva de luz um raio rutilando,
Reinava a noite escura em torno de seus olhos.
No cenário do mundo os umbrais penetrando,
Só urzes encontrou por sob os pés, e abrolhos .
Agora ia ser mãe, que alegria sem par
Andava-lhe no rosto e nos olhos sem brilho!
Pois não há dita maior para a mãe que estreitar
Um ente contra o peito e lhe chamar seu filho.
Foi um astro de luz nas sombras do futuro,
Que a esperava turvo ao fim da caminhada;
A fonte que surgiu no seu deserto escuro
Para lavar-lhe os pés da poeira da estrada.
Dizei vós que sois mães, qual a amargura vossa
Se não pudésseis ver o filho que nutris?!
E, por isso, talvez, que uma surpresa possa
Causar-vos se disser que a cega era feliz.
Era-lhe a vida um mar sem ventos nem procelas,
Uma planície azul sem rochas nem anfracto .
Tinha para saber do filho as formas belas
Um coração materno e as sutilezas do tato.
Julgava ter o infante a perfeição dos traços,
Tudo o que de mais belo à mente possa vir.
Que ditosa rainha ao embalá-lo nos braços,
Cantando uma canção para o fazer dormir!
Andava bem doente a pobre da criança...
Um dia veio a morte e a levou afinal;
Não a deixava a mãe na dúlcida esperança
De que ela ainda vivia e já cheirava mal.
Roubaram-lhe o corpinho em postas já desfeito,
Fizeram-lhe depois de uma boneca a esmola;
Com extremos sutis chegava-a contra o peito,
Pensando que era o filho a boneca de mola.
Deixai vós que passais, deixai por caridade,
Que ela a baloice ao colo, ao som de uma canção.
Às vezes, é melhor, que a crua realidade,
O cadáver já roto e o pó de uma ilusão.
Niterói, 22-04-1923