Era de ver-lhe o rosto alegre, satisfeito,
Com que encarava o céu, ermo de mágoa e dores!
Nem um cardo abrolhara entre as mimosas flores,
Que de flores somente era-lhe o mundo feito!
Surgiu-lhe da existência um ser no curso estreito,
Novo astro a lhe realçar da vida as belas cores
Se o filho estremecia aos mais leves rumores
Lá ia ansiosa a mãe aconchegá-lo ao peito.
Do sono natural a pobre criancinha,
Como abandona o ninho a gárrula andorinha,
Assim abandonou o vaso em que se apouca
Da alma a sublime essência. E quando, em arrepios,
A infeliz pressentiu do filho os membros frios
Soltou uma gargalhada estrídula de louca .
Niterói, 04-1923
[METAMORFOSE]
II
Baixou-lhe sobre a fonte o véu da noite escura
Ruiu o castelo azul da sua alacridade ...
O pensamento preso a querer liberdade
Muito tempo lutou na própria sepultura.
Por fim tombou sem força. E o verme da loucura,
A transmudar o dia em negra escuridade ,
Decepou um por um da sua mocidade
Os sonhos, e atirou-a às ruas da amargura.
Todo o mundo que a vê e que a apupa e a maldiz
Nem do longe sequer reflete que a infeliz
Entre o luxo viveu e dos salões no brilho...
E como um cão que sempre anda a ladrar a lua
Assim perpassa a louca a perguntar na rua
Se viram porventura o seu pequeno filho.
Niterói, 04-05-1923