O mar

Numa luta tremenda as ondas contra a praia
Atiram-se cruéis em frenesis de loucas;
Aos solavancos, passa, ao longe, uma catraia,
À música feral das fortes brisas roucas.

É a fúria de oceano, a mesma fúria antiga
Do revolto galé que sente a solidão
Da cadeia que o prende e na raiva, que o instiga,
Atira-se espumando às grades da prisão.

A terra que lhe sabe o pulso e a força bruta
De o combater conhece o recurso eficaz;
Impávida se adestra e pronta para a luta,
Opõe-lhe o férreo peito e impele-o para trás.

E o fero encarcerado em lancinantes ais,
Repelido da praia, afrontado se apruma,
E investe-a novamente em convulsões letais,
Depondo-lhe na face um turbilhão de espuma.

E o combate recresce e a guerra continua
Há rasgos de heroísmo em cada combatente;
Aos abismos sem fim em estertor recua
De novo o mar vencido e avança novamente


Também, ó velho mar, a igual luta desmaio,
E é em vão que me fatigo – a luta deletéria –
O espírito se insurge e com a fúria do raio
Arremessa-se contra as praias da matéria.

Pudesse (quem me dera!) um dia em pó desfeito
Este cárcere ver, em que minha alma é presa,
Rasgar com minhas mãos as cavernas do peito
E levar para o céu a prisioneira ilesa!

Niterói, 06-05-1923


Galé – embarcação comprida e estreita, de baixo bordo, com duas velas acessórias, mas impelida basicamente por remos.

Esta estrofe foi inserida, posteriormente, tendo sido acrescida após a datação, com tinta azul. A sua disposição no poema foi estabelecida através da numeração das estrofes, também em tinta azul. Retiramos a numeração das estrofes, visto estar evidenciado que ela se destinava a indicar o ponto em que deveriam ser feitas as inserções.

Pudesse (quem me dera!) um dia substitui Também, ó velho mar, quisera. Este verso foi reescrito, na íntegra, ao pé da página, em tinta azul, com o comando (Continua acima) → *.

Produção Digital: Silvia Avelar @ 2011