À janela

É alta noite. No espaço
Vaga a lua docemente,
Estreitando em longo abraço
A natureza dormente.

A ave dorme no galho
Que de leve agita a aragem,
Ouvem-se as gotas de orvalho
A cair sobre a folhagem.

Por tudo um silêncio enorme:
Na terra, no mar, nos céus;
Parece que o mundo dorme
Nos almos braços de Deus.

Da janela em que se evola
Meu sonho que o peito abriga,
Gemendo sobre a viola
Ouço os sons de uma cantiga.

Debalde procuro a causa:
A viola e o trovador.
Agora uma leve pausa,
Não ouço mais o cantor.

De novo, o silêncio mudo
As cousas amortalhou;
Inquiro, investigo em tudo
Quem foi o que assim cantou.

As vidraças fecho a esmo
No sono que me extenua,
Pensando comigo mesmo,
Com certeza, foi a lua.

Niterói, 12-05-1923


Almos são os que alimentam.

Evola-se – torna-se elevado como se voasse.

Um leve traço, em azul, sobre o u de cantou parece ter indicado a intenção de mudar a rima da estrofe. Mas isto não se concretizou, pois cantou rima com amortalhou.

Produção Digital: Silvia Avelar @ 2011