Campo! Campo!

Campina verde. Sol já posto.
Em cada ninho um idílio ...
Sinto no rosto,
Como sentiu Virgilio,
Sob um céu escampo
O ar puro do campo.
Que dita sem par!
Oh! sonho de criança!
Uma lembrança... após outra lembrança
Começo a reavivar
Ali a vista de um azul tão lindo!
E adormeço sorrindo
À dúbia luz do luar.

Se fosse um pagão e cresse no destino
Acharia a razão
Para explicar por que desde menino
Eu amo a solidão.

A solidão por mim compreendida
Não é a selva muda e silenciosa,
Onde não haja nem um som de vida
Nem a rubra corola de uma rosa.

Amo-a quando cheia de estridores,
De pássaros em festa,
Pois toda a beleza da floresta
E todo o seu encanto
Provêm do canto
Dos pássaros, e das flores.

A solidão que amo
Não retumba ao malho
Do homem. Mas em cada ramo
Há, cantando, um passarinho
Sobre o tênue galho
Onde baloiça o ninho,
E que a brisa veloz
Ao passar
Casa com esta voz a sua própria voz
E vai soletrar
Pelos caminhos
A música dos ninhos.

Deitado sobre a relva da campina,
Horas inteiras passo a contemplar
Um bando de asas que sobre a colina
Lá vai sumindo ao meu cansado olhar.

Ou sigo ufano a nuvem que se esfuma
E se adelgaça,
Como um pássaro que por entre a bruma
Esvoaça, esvoaça.

E só quando nos campos,
Já quase escuro,
Bailando no ar diviso os pirilampos,
Meu lar procuro.

Da cidade o torvelim me enoja,
Falta-me o ar,
Foge-me o sono;
Gosto de ver o fruto quando apoja
E quando a olhar
A terra desce o outono.
A vida então recresce
No seio da mata
Canta a cascata
E aos raios do luar tudo parece
Um estendal de prata.

A fonte que borbulha e chora
E corre em veio augusto
Canta ao pé do arbusto
Uma canção sonora.
Em multidão, inquieta,
Pedir a cada flor
Lá vão as borboletas
Um óbolo de amor.

Ao silêncio já tenho o meu ouvido afeito,
Longe dos homens e comigo só,
Parece até que ando a abrigar no peito
A alma de um noitibó .

Por que esta ânsia indefinida,
Esta atração,
Que sinto pela vida
Da solidão?

É a mesma atração que a todo ser domina
E em forte anel o ata
À sorte que há de arrastar;
É a mesma providência que destina
À fera a inculta mata,
Aos pássaros o ar.

Nasci para viver no meio de um deserto,
Dos ermos no mistério,
Longe do humano ser, porém de Deus bem perto,
Como o eremita em seu eremitério,
Tendo no céu por velas
As pálidas estrelas
E sobre a cabeça a firmamento aberto.

Se fosse um pagão e cresse no destino,
Acharia a razão,
Para explicar por que desde menino
Eu amo a solidão.


Idílio – amor terno e delicado; colóquio amoroso entre namorados.

O indefinido um foi acrescentado posteriormente, apertado entre as palavras de e azul.

Torvelim ou torvelinho é um movimento de rotação em espiral; um redemoinho ou remoinho.

As páginas da caderneta de que foram copiados estas poesias foram numeradas, a lápis, na margem superior. Aqui deveria ser a página 44, mas a pessoa que fez a numeração repetiu o número 43, dando sequência regularmente, daqui em diante.

Óbolo é um donativo, uma esmola ou um presente.

Noitibó é o indivíduo que costuma caminhar à noite, que sai mais à noite; o mesmo que noctívago ou noctâmbulo.

Esta estrofe se repete como um estribilho, sugerindo uma retomada do poema após a sua primeira estrofe, quando adormece “sorrindo / à dúbia luz do luar”. É u, reforço ao tema da solidão, tão perseguido pelo poeta Ismael Coutinho.

Produção Digital: Silvia Avelar @ 2011