Ser águia!

Ser águia! Ultrapassar do mundo os negros traços,
Muito acima voar do torvelinho humano;
Frente a frente encarar o sol pelos espaços,
E ver a terra um ponto e uma gota o oceano!

Ser águia! Resvalar pela amplidão afora,
O templo penetrar das rútilas quimeras ;
Ser águia! Asas bater para, ao surgir da aurora,
Perto a música ouvir do giro das esperas!

Ser águia! Desprezar a cólera dos ventos,
Como um rei no seu trono os ares dominar;
As regiões percorrer que, só em pensamentos,
Ao homem – vil escravo – é dado visitar!

Ser águia! Estremecer de sensações estranhas,
Na fria quietação de um silêncio profundo;
Ser águia! Os pés pousar no cume das montanhas,
E olhar indiferente a pequenez do mundo!

Ser águia! Perquirir desconhecidas zonas,
E o ninho procurar antes que a lua saia;
O bico umedecer, de manhã, no Amazonas,
E à tarde repousar nos cimos do Himalaia!

Ser águia! Acima voar das nuvens pardacentas,
Onde o homem tenta ler, verme que anda de rastros,
Minha história contar às estrelas atentas,
E conversar com o sol e dialogar com os astros!

Ser águia! Enfim fruir do ar que a lei nos veda,
E quando já cansado, um dia, de voar,
As asas encolher e ir de queda em queda,
Nas rochas e alcantis o corpo esfacelar!

Niterói, 09-1923


Rutilas – rutilantes, fulgurantes, resplandecentes, luzentes, cintilantes.

Quimeras são os produtos da imaginação, sem possibilidade de se realizarem efetivamente; coisas absurdas ou fantasiosas.

Produção Digital: Silvia Avelar @ 2011