O rafeiro

 

Tão fiel se mostra o meu rafeiro
A acompanhar-me por onde eu caminho,
Que muita vez com ele me abespinho ,
E forço-o a abandonar o meu roteiro.

Mas o meu indulgente companheiro
Mal me descobre um gesto de carinho,
Abana a cauda e alonga-me o focinho,
E me acompanha como de primeiro.

Não se espante, leitor, do que lhe digo:
O mundo não é mais do que um abrigo
De cães humildes, este mundo inteiro...

Há muita gente, nesta vida escassa,
Soberba e altiva, que afinal não passa
De um desbriado e mísero rafeiro.

Novembro, 1925


Rafeiro é o cão de casta que serve para guardar gado ou, figuradamente, a pessoa que se mostra importuna, acompanhando ou assediando outras insistentemente.

Abespinhar é ficar aborrecido ou amuado; agastar-se, amofinar-se.

Produção Digital: Silvia Avelar @ 2011