Vivendo do passado

 

À janela, curvadinha,
Trêmula, a pobre velhinha,
Contempla a rua fronteira;
Move-lhe o lábio uma prece...
Até que o dia amortece,
Ali fica a tarde inteira.

A multidão que se agita
Nem sequer os olhos fita
Na infeliz, por compaixão;
Vai passando indiferente...
Não adivinha, nem sente...
Que ali sofre um coração.

Como tudo está mudado!
Nenhum sinal do passado,
Ou sombra permaneceu;
Ninguém, lhe vendo a carcaça,
Pensa na deusa da graça
Que ali outrora viveu.

Ninguém lhe conhece a história
De triunfos e de glória,
No tumulto dos salões;
Na rua, quando passava,
O langor sempre ficava
Um rosal de corações.
Hoje sozinha medita
Em tanta coisa bonita
Que passa, não torna mais;
Sem ilusões e sem norte,
Espera somente a morte
Que ponha fim aos seus ais.


Poema sem atribuição de autoria e sem data, mas provavelmente de Ismael Coutinho, pois está em sua letra e junto com os outros poemas datados e assinados. Estruturalmente, parece estar concluído, mas foi além da última linha do papel, motivo provável de não ter sido incluída a datação e a assinatura.
Produção Digital: Silvia Avelar @ 2011