Quando eu morrer...

Quando eu morrer, não quero que o caixão
Seja apertado, pequenino, estreito;
Eu, que por lar tive o universo inteiro,
Viver não posso em reduzido leito.

Quando eu morrer, a minha cova rasa
Anelo façam, quase rente ao chão;
Talvez um dia já cansado, exausto,
Queira sair daquela solidão.

Quando eu morrer, envolvam-me de flores,
Todo meu corpo comporão com jeito;
Façam-me larga a sepultura, grande,
Viver não posso em reduzido leito.

Quando eu morrer, à minha cabeceira
Haja um cipreste para dar-me abrigo;
Cantar-lhe-ei as minhas mágoas todas,
Ele, sentido, chorará comigo.

Quando eu morrer, sobre o meu corpo frio
Lancem os versos que compus a esmo:
São da minha alma as flores mais viçosas,
São quase pedacinhos de mim mesmo.
Quando eu morrer, oh! sim, talvez minha alma
Vá direitinho aos pés de Jeová;
Talvez amando o mundo, o campo, a selva,
Chore na voz de meigo sabiá.

Quando eu morrer, talvez a terra infausta
Eu ficarei eternamente a vê-la.
Lá das alturas onde o sol campeia,
No forte brilho de uma branca estrela.

Quando o meu corpo preso for da morte,
Quando eu de vida nada mais tiver,
Ao menos uma lágrima de pranto
Deixa correr, ó mãe, quando eu morrer...

Campelo, 1921


Infausta é aquela marcada pela desventura, pela infelicidade; na verdade é aquela que traz desgraça e infelicidade.
Produção Digital: Silvia Avelar @ 2011