Saudade

Quem sabe, ó branca saudade,
És tu a meiga irmãzinha
Que um voo de andorinha
Me deixou nesta mansão?
Se o és porque te calas?
Confessa que eu te hei de ter
Noite e dia que viver
Perto do meu coração.

Coitada da pobrezinha!
Talvez, quem sabe? Talvez,
Com pena da viuvez
Da minha alma, a minha dor
Querendo apagar, lenir,
Nesta hora de desconforto,
Transformasse o corpo morto
Na existência de uma flor.


Se o és porque me iludes?
Como ela és bela, tocante,
Na palidez do semblante,
És a minha margarida.
Não temas, hás de ter vida
No pé, como tens agora,
Para sorrires à aurora
Quando despontar, querida.

Se o sol, um dia, nefasto,
Tua esbelteza murchar,
Os beijos que te hei de dar
De novo far-te-ão viver
Porque os beijos de saudade
São almas gotas de orvalho,
Que caindo sobre um galho
A vida faz renascer.


Não iludas, meu anjinho,
A um mesquinho cantor,
Se te mudaste na flor.
Não me negues minha irmã.
Quando te beijo, eu pressinto
Meu peito em ânsias tremer,
Julgo em ti minha irmã ver,
Quando te beijo à manhã.

Campelo, 1921


Uma vírgula depois de os beijos de saudade / São almas, possivelmente deixaria mais claro que o restante da estrofe é um aposto de almas, princípios vitais.
Produção Digital: Silvia Avelar @ 2011