A lua desta cidade
Não é a casta deidade.
Que vagueia no sertão;
Lá cheia, bela, viçosa,
Qual lindo botão de rosa
Ou qual rosa inda em botão.
Aqui muda e doentia,
Não tem tanta poesia
Como aquela do sertão;
Lá jovem, loquaz, faceira,
Qual donzela brasileira,
Vagando pela amplidão.
O luar da minha terra,
Quando por detrás da serra,
Mostra o seu rosto gentil,
Parece um lindo escaler
Ou folha de rosicler,
Boiando num mar de anil
Esta lua, aqui, tão muda,
A beleza não transuda
Do luar da minha aldeia;
Como é belo, surpreendente
Ver surgindo mansamente
No sertão a lua cheia!
Quem a viu surdir ligeira,
Dos ramos da laranjeira,
Mais clara que a luz do dia,
Não mais a verá tão bela,
Tão pura, meiga e singela,
Nem com tão doce magia!
Linda lua em teu regaço,
Deitado sobre teu braço,
Leva-me, conduz, ó lua;
Quem te viu formosa e pura,
Não te pode ver escura,
De encantos mil assim nua.
No sertão, ó amiga minha,
Tens o poder de rainha
E a majestade do cetro;
Aqui pobre, esfarrapada,
Qual mendiga pela estrada,
És da morte o feio espectro .
Vamos lua! Abre teus braços.
Conduz-me pelos espaços
Ao meu cobiçado sertão;
Sou aqui qual planta agreste,
Que mudar não pode a veste,
Tendo morto o coração.
Niterói, 1921