Era à beira do caminho
Que, à sombra de um cajuzeiro,
Vivia o pobre ceguinho
A esmolar o dia inteiro.
Nesta vida nem um guia
Os passos seus lhe guiou:
Sua mãe já não vivia,
Quando o dia contemplou.
Possuía neste mundo:
Uma sombra e um teto além,
Um disco branco, profundo,
Nos olhos brancos também.
Se é triste ser chegado
No mundo sem mãe, nem pai,
É mais triste ser puxado,
Sem saber onde se vai.
Um dia o cego apalpando,
Na pobre choupana entrou,
Em alta febre queimando,
Que mais a fome aumentou.
Quem cura do pobrezinho,
Quem lene o tormento seu?
Na cabana, ali, sozinho,
Três dias depois morreu.
Vós, ó filhos da ventura,
Que viveis só na riqueza,
Não sabeis qual a tortura
De quem vive na pobreza.
Quando virdes um ceguinho
Pedir pelo amor de Deus,
Uma esmola ao coitadinho
Não lha negueis pelos céus.
Quanto lhe amargura, quanto,
Estender, à luz do dia,
Sua mão que, no entretanto,
Muita vez volta vazia!
Niterói, 04/1921