Queixas de Jesus Sacramentado
Aqui me vejo sozinho,
Sem a graça de um carinho,
Em constante esquecimento,
Eu, que o sangue derramei,
Para levar minha grei
Ao porto de salvamento.
Desci dos altos dos céus
Fiz-me um homem, sendo Deus,
Para a vós todos salvar;
A minha pungente dor,
O meu grande dissabor,
É aqui sozinho estar.
Sofri grandes amarguras,
Padeci cruéis torturas,
Por ti, homem pecador;
Mas das dores que sofri,
Estar isolado aqui
É a minha maior dor
Nem a coroa d’espinho,
Como estar aqui sozinho,
Foi tão dura provação;
Nem o pesado madeiro,
O mofar do povo inteiro,
As pragas da multidão.
Uma vez em minha vida,
Já senti a atroz ferida
De ficar abandonado;
Foi quando a guarda guerreira
Da Judeia carniceira
Me levou maniatado.
Este abandono, no entanto,
Não me foi tão duro, tanto,
Como este em que agora estou;
Antes tinha este consolo:
Este povo imbele , tolo,
Não sabe inda quem eu sou.
Hoje que tudo fulgura,
Que não há mais noite escura,
Que brilhou uma nova aurora;
É bem triste o meu Calvário,
Habitar neste sacrário,
Como estou, sozinho, agora.
Enquanto os ricos salões,
Presos têm os corações,
Ninguém por mim se interessa;
Tenho as mãos de graças, cheias,
Para dar a mãos alheias,
Mas nenhuma há que m’as peça.
Niterói, 04-1921