O mentiroso

(Monólogo)

Em casa tudo conspira...
Se quero um fato narrar,
Gritam logo que é mentira
Aquilo que eu vou contar.

Vivo triste, sem ter gozo,
De falar eu vivo à míngua;
Se começo, ó mentiroso,
Me dizem, para esta língua.

Que lá fiquem tais malucos,
Que desconfiam de mim;
Um par de velhos caducos
É mesmo descrente assim.

Como estou noutro ambiente,
Que confiança me inspira,
Entre séria e boa gente,
Não quero contar mentira.


Vou narrar-vos, meus senhores,
Só a vós que estais aqui,
Uma cena das maiores,
À qual eu mesmo assisti:

Encetava o meu trabalho,
Quando escuto, de repente,
Um bater surdo de malho
E uns gritos de penitente.

Larguei a tarefa minha,
Antes mesmo de acabar;
Sigo em busca da cozinha,
Na cozinha vou parar.

Do que vi fiquei pasmado!
Um frango pimpão, faceiro,
Brandia um grande machado
Na testa do cozinheiro.

Vejam lá qual a impressão,
Que tive nesse momento!
Ver ali morto, no chão,
O pobre do José Bento!


O malvado do franguinho,
Morto o Bento, dança um tango,
Quando um gato, de mansinho,
Atira um prato no frango.

O prato sem direção,
Lançado por fortes braços,
Foi parar direito ao chão,
Em mil e tantos pedaços.

Mamãe logo apareceu,
Eu corri por precaução;
Eis o que me aconteceu:
Recebi forte lição.

No começo um piparote,
Seguido de um: Fala tudo!
Depois um rijo chicote
E muitas horas de estudo.

Mas sabem quem me perdeu?
Foi o senhor José Bento,
Que me causou tal tormento,
Quando vivo apareceu.


Não pensem que isto é fita,
Que mereci tal lição;
Mas oh! Que coça bonita!
Que tremenda correção!

Niterói, 1921


Recitada por Moacyr Ramos na sessão solene de 1º de maio de 1921.

Brandir é bater violentamente com algo em alguém ou em alguma coisa.

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