Dois roceiros

Personagens Chico e Mané. Entram na sala juntamente e em tom amistoso, assim fala Mané ao seu compadre:

Chi! Cumpade ovi dizê
Num negoço munto raro,
Qui nu Rio vai havê
Nu tempo du centenaro!

Chico
Ieu tombém cumo vancê,
Iguamente, ovi falá
Qui anda a querê todo o povo
Intupi parte du má.

Mané
Isso memo! Ieu já sabia,
Mas num posso comprendê
Cumo tantos aprobremas
Pode os home arresorvê.

Num sei se é memo veldade,
Mas dize que os alamão
Qué tombém pru centenaro
Construí seu pavião?


Chico
Não somente os alamão
Seus pavião belo arranja,
Mas tombém os ingueleis,
Otro povo lá da estranja.

Toda as nação do niverso
Vai mandá suas baixada
Pra assim cum nós tomá parte
Nessa festa tão falada.

Mané
Vô trabaiá cum mais gosto
Pra mode i cum a famia
Desfurtá na ocasião
Di todas essas fulia.

Nu beco tudo trabaia.
Já sabe cumigo é nove!
Mas dispois o centenaro
Vamo gozá di istromove.

Vancê, que é home sabido,
Faz favô de inspilicá
Cumé que corre esse bicho
Sem cavalo ou boi puxá?


Chico
A inspilicação é face,
Põe nela um pooo de tento:
Os istromove só vua
Quando neles bate o vento.

Daí, cumpade, o incontrá,
Quando n’há vento que os move,
Nas praças pulga e avenida
Um punhado de istromove.

Mané
Mas ovi dizê tombém
E pido inspilicação,
Num zotros carro que corre
Pruma e otra direção.

Chico
Os tá carro chama bondi
E o bicho corre nos trio,
Mas im riba ta ligado
Pru um biguaço di um fio.


Esse fio vai a unzina
Onde munta gente sua
Pra puxá os cujo carro,
Que entonce corre nas rua.

Mané
Mas vortemo a cuja festa
Se fala pru todo lado.
Vancê, cumpade, que é home
Nas lição bem induncado,

Que já tem visto cedade
De bonitas aparença,
Me inspilica tudo claro,
Cum toda as circunferença.

Ao desapiá du trein
Que devo logo fazê?
Chico
Tomá logo um bom navilho
E ao quarté se arrecoiê.

Mané
Mas que coisa é o tá quarté
Faz favô di inspilicá?
Chico
O quarté é onde se drume
Di barriga para o á.


Dispois vancê se adirege
A todos que passa a bera
E fica tudo gostando
Das su’afabes manera.

Notro dia vai ao má
Tomá seu banho de aceio;
Aquilo num tem fundura
Pode intrá inté o meio.

Dispois ajeita essas prancha
Nuns véio sapato usado,
E vai fazê a avenida
Cumo um quarqué diputado.

Si fô as butina russa,
Cuja cô num seja ficha,
Um tustão paga o esgraxate
Qui logo crareia as bicha.

Ou infia nuns petrope
Cumo um gordo senadô,
E vai [fazê] seu passeio
Lá na rua du Ovidô.


Mas, oia! munto cudado!
Coitela cus seus tustão!
Qui anda lá uns alarape,
Qui roba qui nem ladrão!

Passeio qui tombém guarda
E em nada os borso machuca,
É subi pra minhã cedo
No bondi du Pões di Assuca.

Vancê num deve di pé
Andá lá que eles caçoa,
Mas amunta nus tá bondi
Qui é coisa munto mais boa!

Toda as veis qui o acondutô
Chega. Qui coisa mais pau!
É perciso o cavaiero
Arrancá dus niculau.

Vancê lá num deve andá
Cum pedaço di bambu
Pru bengala e nem ansim
Cum esse passo de aribu.


Pruque o povo arreconhece
Todo o cabra qui é da roça,
E memo na nossa cara
Vem fazê da gente troça.

Mas, oia! munto cudado!
Nada de abobra e fejão
Vancê pida nus café
Ou nas casa di pensão.

Sinão, qui é logo matuto
Eles pensa. Intão num queixe!
Nesses dia a gente passa
Só a zovos, carne e peixe.

Nesse tempo todo luxo,
Bãos petrope ieu destaco
Qui sô aobra cá da roça
A ninguém vô dá meu fraco.

Vancê discote em política ,
Cumo os home di leitura,
Fala nas cãimbra e senado
E tombém di litratura.


Diz qui o Bernade num droba,
Cumo se droba um cacete,
Qui o Nilo vai cumê broca
Pra chega inté o Catete;

Qui o menero é bicho caro,
Di burro brabo é pião
Qui é capaz numa rastera
Botá o Nilo nu chão.

Das gente da sucedade
Quondo tivé na perzença ,
Cumpade, toma cudado
Di os tratá só di insolença!

Tá bão, cumpade Mané,
Pru aqui, pru hoje, paro
Desejo que vancê goze
Lá nu Rio o centenaro.

Mané
Ieu queria incunvidá
Vancê pra grande fulia,
Pois tenho timô di errá
Sem a vossa cumpanhia


Chico, em tom mais baixo e um tanto afastado de seu compadre, fala virado para o povo:
Meus sinhôs, qui estão aqui,
Vô cum franqueza falá,
Nunca fui na minha vida
À Capitá Federá.

A vancês somente digo,
Di concença pru descargo,
Nunca lá pisou os meu
Quorenta e dois bico largo.

Mas qu’emporta? O nego é onça,
Num é curuja na toca.
Já du Rio oviu falá
Pru miares de cem boca.

A ocasião é importuna
Num é perciso dinhero.
Desta veis o cabra vai
Memo ao Rio de Janero.

Depois se dirige ao companheiro, dizendo:
Paga vancê a passage
E disponha dum criado.
Mané, cumprimentando-o, diz:
Pois intonce inté setembro,
Fica tudo cumbinado.


Depois do que, sai.
Chico dirige-se então aos espectadores:
O cabra é limpo, curado!
O Rio? Comigo é nove!
Desta veis o fio du veio
Vai muntá nus istromove.

Niterói, 29-04-1922


No manuscrito, está Num sôtros, em que o s inicial estaria representando o fonema equivalente a z.

Acrescentei, como hipótese provável, a palavra fazê, pois a métrica denuncia a omissão e corresponde a uma estrutura usada em vários outros versos, como Que devo logo fazê?, E vai fazê a avenida e Vem fazê da gente troça.

No manuscrito está poliquitica, que desrespeita a métrica.

Alteramos a grafia para que a sibilante sonora se mantenha.

Produção Digital: Silvia Avelar @ 2011