101
Tercetos.
Eu sou aquelle que os passados annos
Cantei na minha lyra maldizente
Torpezas do Brazil, vicios e enganos.
E bem que os decantei bastantemente,
Canto segunda vez na mesma lyra
O mesmo assumpto emplectro differente.
Já sinto que me inflamma, e que me inspira
Thalia, que Anjo è da minha guarda
Des que Apollo mandou que me assistira.
Arda Bayona, todo o mundo arda,
Que a quem de profissão falta a verdade
Nunca a Dominga das verdades tarda.
Nenhum tempo exceptua a christandade
Ao pobre pegureiro do Parnaso
Para fallar em sua liberdade.
A narração hade igualar ao caso,
E se talvez ao caso não iguala,
Não tenho por poeta o que é Pegaso.
102
De que pòde servir calar quem cala,
Se nunca se hade fallar o que se sente,
Sempre se hade sentir o que se falla.
Qual homem pòde haver tão paciente,
Que vendo o triste estado da Bahia,
Não chore, não suspire, e não lamente?
O nescio, o ignorante, o inesperto,
Que não elege o bom, nem mào reprova,
Por tudo passa deslumbrado e incerto.
Isto faz a discreta phantasia:
Discorre em um e outro desconcerto,
Condemna o roubo, increpa a hypocrizia.
E quando vê talvez na doce trova
Louvado o bem, e o mal vituperado,
A tudo faz focinho, e nada approva.
Diz logo prudentaco e repousado:
Fulano è um satyrico, è um louco,
De lingua mà, de coração damnado.
103
Nescio, se disso entendes nada ou pouco,
Como mofas com riso e algazaras
Musas, que estimo ter quando as invoco.
Se souberas fallar, tambem fallàras,
Tambem satyrisaras, se souberas,
E se fôras poeta, poetizàras.
A ignorancia dos homens d'estas eras
Sizudos faz ser uns, outros prudentes,
Que a mudez canonisa bestas feras.
Ha bons, por não poder ser insolentes,
Outros ha comedidos de medrosos,
Não mordem outros não, por não ter dentes,
Quantos ha que os telhados tem vidrosos,
E deixam de atirar sua pedrada,
De sua mesma telha receiosos?
Uma só natureza nos foi dada;
Não creou Deus os naturaes diversos;
Um só Adão creou, e esse de nada.
104
Todos somos ruins, todos perversos,
Só nos distingue o vicio e a virtude,
De que uns são comensaes, outros adversos.
Quem maior a tiver, do que eu ter pude,
Esse sò me censure, esse me note,
Calem-se os mais, chiton, e haja saude.
Marinicolas.
Marinicolas todos os dias
O vejo na sege passar por aqui,
Cavalheiro de tão lindas partes,
Como verbi gratia, Londres e Pariz.
Mais fidalgo que as mesmas estrellas,
Que as doze do dia viu sempre luzir,
Que seu pai por não sei que desastre
Tudo o que comia vinha pelo giz.
105
Peneirando-lhe os seus avolorios,
È tal a farinha do nympho gentil,
Que por machos è sangue Tudesco,
Porem pelas femeas humor meretriz.
Um avô, que rodou esta côrte
N'um coche de quatro de um Dom Beleaniz,
Sobre mulas foi tão attractivo,
Que os Senhores todos trouxe atraz de si.
Foi um grande verdugo de bestas,
Pois c'um azorrague e dois borzeguins,
Ao compraz dos màos passos que davam
Lhes ia cantando o là, sol, fà, mì.
Marinicolas era muchacho
Tão gram rabaceiro de escumas de rins,
Que jàmais para as toucas olhava,
Por achar nas calças melhor fraldelim.
Sendo já rumilher de cortina
De um Sastre de barbas, sahiu de aprendiz
Dado sò às lições de canudo
Rapante de especie de pica viril.
106
Cabrestilhos tecendo em arames,
Tão pouco lucrava no patrio paiz,
Que se foi dando vèlas ao vento
Ao reino dos Servos, não mais que a servir.
Là me dizem que fez carambòla
Com certo Cupido, que fôra d'aqui
Empurrado por uma Sodoma,
No anno de tantos em cima de mil.
Por signal que no sitio nefando
Lhe poz a remelha do olho servil
Um travesso, porque de cadeira
A seus cus servisse aquelle ambar gris.
Mordeduras de perro raivoso
Co'o pello se curam do mesmo mastim,
E aos mordidos do rabo não pòde
O sumo do rabo de cura servir.
Tanto em fim semeou pela terra,
Que havendo colhido bastante quatrim,
Resolvendo-se a ser Perotangas
Cruzou o Salobre, partiu o Zenith.
107
Avistando este nosso hemispherio,
Collou pela barra em um bergantim,
Poz em terra os maiores joanetes
Que viram meus olhos desde que nasci.
Pretendendo com recancanilhas
Roubar as guaritas de umn salto subtil,
Embolçava com alma de gato,
A risco de sape, dinheiro de miz.
Senão quando na horta do Duque
Andando de ronda um certo malsim,
Estumando-lhe um cão pexelingre
O demo do gato btou o seitil.
Marinicolas vendo-se entonces
De todo expulgado sem maravidi,
Alugava rapazes ao povo,
Por ter de caminho de quem se servir.
Exercendo-os em jogos de mãos
Tão lestos os tinha o destro arlequim,
Que se não lhes tiràra a peçonha
Ganhàra com elles dois mil potosìs.
108
A tendeirose poz de punhetas,
E na taboleta mandou esculpir
Dois cachopos, e a letra dizia:
Os ordenhadores se alquilam aqui.
Tem por mestre do terço fanchono
Um pagem de lança, que Marcos se diz,
Que se em casa anda ao rabo d'elle,
O traz pela rua ao rabo de si.
Uma tarde em que o perro celeste
Do sol acossado se poz a latir,
Marinicola estava com Marcos
Limpando-lhe os moncos de certo nariz.
Mas sentindo ruido na porta,
Aonde batia um Gorra civil,
Um e outro se poz em fugida,
Temiendo los dientes de algun javali.
Era pois o baeta travesso:
Se um pouco de antes aportàra alli,
Como sabe latim o baeta,
Pudiera cogerlos en un mà latin.
109
Ao depois dando d'elle uma forca
As alcoviteiras do nosso confin,
Lhe valeu no sagrado da igreja
O nò indissoluvel de um rico mongil.
Empossado da simples consorte
Cresceu de maneira n'aquelles chapins,
Que inda hoje dà graças infindas
Aos falsos informes de quis, quid e quid.
Não obstante pagar de vazio
O santo hymeneo um picaro vil,
Se regala à ufa do sogro,
Comendo e bebendo como mochachim.
Com chamar-se prudente com todos,
Que muitos babozos o tem para si,
Elle certo è o meu desenfado,
Que um tolo prudente dà muito que rir.
È dotado de um entendimento
Tão vivo e esperto, que fôra um Beliz
Se lhe houvera o juizo illustrado
Um dedo de Grego, outro de Latim.
110
Entre gabos o triste idiota
Tão pago se mostra dos seus gorgotiz,
Que nascendo sendeiro de gemma,
Quer á fina força metter-se a rocim.
Deu agora em famoso arbitrista,
E quer por arbitrios o triste malsim
Que o vejamos subir à Excellencia,
Como diz que vimos Montalvão subir.
Sendo pois o alterar a moeda.
O assopro, o arbitrio, o ponto e o ardil,
De justiça, a meu ver, se lhe deve
As honras que teve Ferraz e Soliz.
Dem com elle no alto da forca,
Adonde o fidalgo terà para si,
Que é o mais estirado de quantos
Beberam no Douro, mijaram no Rim.
Se o intento é bater-se moeda,
Correrem-lhe gages, e ser mandarim,
Porque andando a moeda na forja
Se ri de Cuama, de Sena, e de Ofir!
111
Sempre foi da moeda privado,
Mas vendo-se agora Senhor e Juiz,
Condemnando em portaes a moeda,
Abriu às unhadas portas para si.
Muito mal lhe rendeu cada palmo
D'aquella portada que dois potosís,;
Muito mais lhe valeu cada pedra
Que vale um oclavo de Valladolid.
Pès de puas com topes de seda,
Cabellos de cabra com pòs de marfim,
Pès e puas de riso motivo.
Cabellos e topes motivos de rir.
Uma tia, que abaixo do muro
Lacoens esquarteja, me dizem que diz,
Sua Alteza sem ir meu sobrinho
A nada responde de não ou de sim.
Pois a prima da rua do Saco
Tambem se reputa de todos alli,
Que a furaram como velador
Para o garavato de certo candil.
112
Outras tias me dizem que foram
Tão fortes gallegas, e tão varonìs,
Que sobre ellas foi muito mais gente
Do que sobre Hespanha em tempo do Cid.
Catharina conigibus era
Uma das avôas da parte viril,
D'onde vem conixarem-se todas
As conigitandas do tal genesis.
Despachou-se com habito e tença
Por grandes serviços, que fez ao Sof,
Em matar nos fieis Portuguezes
De puro enfadonho tres ou quatro mil.
E porque de mecanica tanta
Não foi dispensado, tenho para mim
Que em usar da mecanica falsa
Se soube livrar da mecanica vil.
É possivel que calce tão alto
A baixa vileza de um sujo escarpim,
Para o qual não é a agua bastante
Da grossa corrente do Gualdaquibir?
113
Marinicolas é finalmente
Sugeito de prendas de tanto matiz,
Que está hoje batendo moeda,
Sendo ainda hontem um vilão ruim.
Retrato do Governador Antonio de Souza de Menezes, chamado o
Braço de prata.
Sylva.
Oh! não te espante não, Dom Antonía,
Que se atreva a Bahia
Com espremida voz, com plectro esguio,
Cantar ao mundo teu rico feitio,
Porque é já velho em poetas elegantes
O cahir em torpezas similhantes.
Da pulga acho que Ovidio tem já escripto,
Luciano do mosquito,
Das rans Homero, e d'estes não desprezo
Que escreveram materia de mais pezo
Do que eu, que canto cousa mais delgada,
Mais chata, mais subtil, mais esmagada.
114
Quando desembarcaste da Fragata,
Meu Dom Braço de prata,
Cuidei que a esta cidade, tonta e fatua,
Mandava a Inquisição alguma estatua,
Vendo tão espremido salvajola,
Visão de palha sobre um mariola.
O rosto de azarcão afogueado,
E em parte mal untado,
Tão cheio o corpazil de godilhões,
Que o tive por um saco de melões,
Vi-te o braço pendente da garganta,
E nunca prata vi com liga tanta!
E bigode fanado posto ao ferro
Está alli n'um desterro,
E cada pello em solidão tão rara,
Que parece ermitão da tua cara;
De cabelleira tal affirmam cegos,
Que a mandaste comprar no arco dos pregos.
Olhos cagões, que cagam sempre á porta,
Me tem esta alma absorta,
Principalmente vendo-lhe as vidraças
Nos grosseiros caixilhos das couraças;
115
Cangalhas que formarão luminosas
Em dois arcos de pipa duas ventosas.
De muito cego, e não de malquerer,
A ninguem pódes ver,
Tão cego és que não vês teu prejuizo,
Sendo cousa que se olha com o juizo;
Tu és mais cego do que eu, que te susurro,
Que em te olhando não vejo mais que um burro.
Chato o nariz, de cócoras sempre posto,
Te corre todo o rosto
De gatinhas buscando algum jazigo,
Aonde o desconheçam por embigo,
Té que se esconde donde mal o vejo,
Por fugir ao fedor do teu bocejo.
Faz-lhe tal visinhança a tua bocca
Que com razão não pouca
O nariz se recolhe para o centro;
Mudado para os baixos lá de dentro
Surge outra vez, e vendo a bafarada,
Lhe fica alli a ponta um dia engastada.
116
Pernas e pés defendem a tua cara
Velhaca, e quem cuidàra,
Tomando-te a medida das cavernas,
Se movesse tal corpo com taes pernas?
Cuidei que eras rocim das alpujarras,
E já frizão te digo pelas garras.
Um cazaquim trazias sobre o coiro,
Qual odre a quem o toiro
Uma e outra cornada deu traidora,
E lhe deitou de todo o vento fora
Tal vinha o teu vestido de enrugado,
Que o tive por um odre esfuracado.
O que te vir ser todo rabadilha
Dirá que te perfilha
Uma quaresma, chato percevejo,
Por arenque de fumo, ou por bodejo;
Sem carne e osso, quem ha ahi que creia
Senão que és descendente de lampeira¿
Livre-te Deus de um sapateiro ou sastre,
Que te temo um desastre,
E é que por sovéla ou por agulha
Armem sobre levar-te alguma bulha,
117
Porque depositando- te a justiça,
Será n'um agulheiro, ou em cortiça.
Na esquerda mão trazias a bengala;,
E ou por força, ou por gala,
No sovaco por vezes a mettias,
Só por fazer infindas cortezias,
Tirando ao povo, quando te destapas,
Entonces os chapéos, agora as capas.
Fundia-se a cidade em carcajadas,
Vendo as duas entradas
Que fizeste do mar a Santo Ignacio,
E depois do Collegio a teu palacio,
O rabo erguido em cortezias mudas,
Como quem pelo cù tomava ajudas.
Ao teu palacio te acolherte, e logo
Casa armaste de jogo,
Ordenando as merendas por tal geito,
Que a cada jogador se dá um confeito:
Dos tafues um confeito era um boccado,
Sendo tu pela cara o enforcado.
118
Depois déste em fazer tanta parvoice,
Que ainda que o povo risse
A principio, cresceu depois a tanto
Que chegou a chorar com triste pranto:
Chora-se nû de um roubador de falso,
E vendo- te eu de riso me descalço,
Chinga-te o negro, o branco te pragueja,
E a ti nada te aleja;
E por teu sem sabor e pouca graça
És fabula do lar, riso da praça,
Tè que a bala, que o braço te levára,
Venha segunda vez levar-te a cara.
Retrato do Governador Antonio Luiz da Camara Coutinho.
Vá de retrato
Por consoantes;
Que eu sou Timantes
De um nariz de tocano côr de pato.
119
Pelo cabello
Começa a obra,
Que o tempo sobra
Para pintar a giba do camello.
Causa- me engulho
O pello untado,
Que, de molhado,
Parece que sae sempre se mergulho.
Não pinto as faltas
Dos olhos baios,
Que versos raios
Nunca ferem senão em coisas altas.
Mas a falhada
Da sobrancelha
Se me assemelha
A uma negra vassoura esparramada.
Nariz de embono
Com tal sacada,
Que entra na escada
Duas horas primeiro que seu dono.
Nariz que falla
Longe do rosto,
Pois na Sé posto
Na Praça manda pôr a guarda em ala.
120
Membro de olfactos,
Mas tão quadrado
Que um rei coroado
O póde ter por cópa de cem pratos.
Tão temerario
É o tal nariz,
Que por um triz
Não ficou cantareira de um armario.
"Você perdoe,
Nariz nefando
Que eu vou cortando
E inda fica nariz em que se assôe.
Ao pé da altura
Do naso oiteiro
Tem o sendeiro
O que bocca nasceu e é rasgadura.
Na gargantona,
Membro do gosto,
Está composto
O órgão mui subtil da voz fanchona.
Vamos á giba:
Porem que intento,
Se não sou vento
Para poder subir lá tanto arriba?
121
Sempre eu insisto
Que no horisonte
Desse alto monte
Foi tentar o diabo a Jesu-Christo.
Chamam-lhe autores,
Por fallar fresco,
Dorsum burlesco,
No qual fabricaverunt peccatores.
Havendo apostas
Se é home ou féra,
Se assentou que era
Um caracol que traz a casa ás costas.
De grande, arriba
Tanto se entona,
Que já blazona
Que engeitou ser canastra por ser giba.
Oh pico alçado!
Quem lá subira,
Para que vira
Se é Etna abrazador, se Alpe nevado.
Cousa pintada,
Sempre uma cousa,
Pois donde pousa
Sempre o vêm de bastão, sempre de espada.
122
Dos Santos Passos
Na bruta cinta
Uma cruz pinta
A espada o páo da cruz, e elle os braços
Vamos voltando
Para a dianteira,
Que na trazeira
O cú lhe vejo açoitado por nefando.
Se bem se infere
Outro fracaso,
Porque em tal caso
Só se açoita quem toma o miserere.
Pois que seria,
Se eu vi vergões?
Serão chupões
Que o bruxo do Ferreira lhe daria.
E a entezadeira
Do gram marzapo,
Que em sujo trapo
Se alimpa nos fundilhos do Ferreira.
Seguem-se as pernas,
Sigam-se embora,
Porque eu por ora
Não me quero embarcar em taes cavernas.
123
Se bem assento
Nos meus miolos,
Que são dois rôlos
De tabaco já podre e fedorento.
Os pés dão figas
Á mór grandeza;
Por cuja empreza
Tomaram tanto pé tantas cantigas.
Velha coitada,
Cuja figura
Na architectura
Da pôpa da náo nova esttalhada.
Boa viagem,
Senhor Tocano;
Que para o anno
Vos espera a Bahia entre a bagagem.
124
Retrato do Padre Damazo da Silva.
Pois me enfada o teu feitio,
Quero, Frizão, n'este dia
Retratar- te em quatro versos
As maravi, maravi, maravilhas.
Ouçam e olhem,
Venham, venham, verão
O Frizão da Bahia,
Que está retratado
Ás maravi, maravi, maravilhas.
A cara é um fardo de arroz,
Que por larga e por comprida
É ração de um elephante
Vindo da India.
Ouçam e olhem,
Venham, venham, verão
Ouçam e olhem,
Venham, venham, verão
O Frizão da Bahia,
Que está retratado
Ás maravi, maravi, maravilhas.
A bocca desempedrada
É a ponte de Coimbra,
125
Onde não entram, nem sahem
Mais que mentiras.
Ouçam e olhem,
Venham, venham, verão
O Frizão da Bahia,
Que está retratado
Ás maravi, maravi, maravilhas.
Não é a lingua de vacca
Pelo maldizente e maldita,
Mas pelo muito que corta
De tiririca.
Ouçam e olhem,
Venham, venham, verão
O Frizão da Bahia,
Que está retratado
Ás maravi, maravi, maravilhas.
No corpazil torreão
A natureza prevista
Formou a fresta da bocca
Para guarita.
Ouçam e olhem,
Venham, venham, verão
O Frizão da Bahia,
Que está retratado
Ás maravi, maravi, maravilhas.
126
Quizera as mãos comparar-lhe
Às do gigante Golias,
Se as do gigante não foram
Tão pequeninas.
Ouçam e olhem,
Venham, venham, verão
O Frizão da Bahia,
Que está retratado,
Ás maravi, maravi, maravilhas.
Os ossos de cada pé
Encher podem de reliquias
Para toda a christandade
As sachristias.
Ouçam e olhem,
Venham, venham, verão
O Frizão da Bahia,
Que está retratado
Ás maravi, maravi, maravilhas.
É grande Conimbrense
Sem jámais pôr pé em Coimbra,
E sendo ignorante sabe
Mais que gallinha.
Ouçam e olhem,
Venham, venham, verão
O Frizão da Bahia,
127
Que está retratado
Ás maravi, maravi, maravilhas.
Como na Lei de Mafoma
Não se argumenta, e se briga,
Elle, que nada argumenta,
Tudo porfia.
Ouçam e olhem,
Venham, venham, verão
O Frizão da Bahia,
Que está retratado
Ás maravi, maravi, maravilhas.
Retrato feito a uma preta crioula chamada Francisca.
Vá de apparelho,
Vá de painel,
Venha um pincel,
Retratarei a Chica e o seu berbelho.
É pois o caso,
Que a arte obriga,
Que pinte a espiga,
A urtiga primeiro, e logo o vaso.
128
A negra testa
De Cuyambuca
A põe tão cuca,
Que testa nasce, em cuia desembesta.
Os dois olhinhos,
Com ser pequenos,
São dois venenos
Não do mesmo tamanho, maiorzinhos.
Nariz de preta,
De cocras posto,
Que pelo rosto
Anda sempre buscando onde se metta.
Bocca sacada,
Com tal largura,
Que a dentadura
Passeia por alli desencalmada.
Barbinha aguda
Como sovella,
Não temo a ella,
Mas hei medo da barba, Deus me acuda.
129
Pescoço longo,
Socó com saia,
A quem dão vaia
Negros com quem se farta de mondongo.
Tenho chegado
Ao máo feitio
Do corpo esguio,
Chato do embigo, erguido, acadalado.
Peito lazeira
Tão derribado,
Que é retratado
O peito, o espaldar e a vizeira.
Junto ás cavernas
Tem as perninhas
Tão delgadinhas,
Não sei como se tem n'aquellas pernas.
Cada pé junto
Fórma a peanha,
Onde se amanha
A estatua do pernil e do presunto.
130
Anca de vacca
Mui derribada,
Mais cavalgada
Que sella de rocim, charel de faca.
Puta canalha,
Torpe e mal feita,
A quem se ageita
Uma estatua de trapos ou de palha.
Vamos ao fundo,
De tão máo geito,
Que é largo e estreito,
Do rosto estreito, e largo de profundo.
Um vaso atroz,
Cuja portada
É debrumada
Com releixos na bocca corno noz.
Horrivel odre,
Que pelo cabo
Toma do rabo
Andar são, e feder a cousa podre.
131
Modos gatunos
Tem sempre francos,
Arranha os brancos,
E afaga os membros só de Tapanhunos.
Tenho acabado
A obra, e agora
Rusguem embora,
Que eu não quero ver Chica nem pintada.
A umas moças damas filhas de um ourives.
Sylva.
A vós digo, putinhas franciscanas,
Comvosco fallo manas:
Ouvi passito, e respondei-me quedo,
Que quero me digais certo segredo:
Porque com frades vós dormís aos pares,
E tendes odio a membros seculares?
132
Não sois vós outras laminas de prata,
Que da officina grata,
Em que o seu malho o Senhor pai batia,
Sahistes animada argentaria?
Pois como em tão diaphanos argentos
Engastais tantos membros fedorentos?
Era qualquer de vós prata sem liga,
E hoje não sei se diga,
Liga fazeis co'o chumbo vil de um frade,
Que dá co'o chumbo, e faz a claridade.
Ó infaustas moças na mofina raras,
Que fazem taes baratos de taes caras!
Que esperais que vos dê, ou vos proveja
Um magano da Igreja?
O liso ecclesiastico do mundo
Que é senão um Franciscano immundo,
De cujas bragas vos avisa o cheiro
Que alli um cepo vem de pasteleiro.
O frade porqueirão e esfaimado
Apenas tem entrado,
Quando sem mais razão, nem mais palavra,
Pega, arregaça, embóca e escalavra:
133
Não gasta a vez, vem se detém, nem póde,
Arremette, cavalga, impinge e fóde.
O secular, que é todo almiscarado,
Já de amor obrigado
Faz á dama um poema em um bilhete,
Cobarde o faz, e timido o remette:
Se lhe responde branda, alegre o gosta,
E se tyranna, estima-lhe a resposta.
Vai no outro dia passea a dama,
por quem amor o inflamma,
E sendo o intento ver a dama bella,
Passa-lhe a rua, não lhe vê à janella,
Que está primeiro em um galan composto
O credito da dama, que o seu gosto.
Depois de muitos annos de suspiros,
De desdens, de retiros,
Despresos, desapegos, desenganos,
Constancias de Jacob, serviços de annos,
Fazem com que da dama idolatrada
Lhe vem recado em que lhe dá entrada.
134
Com tal recado alvoroçado o moço,
Quer morrer de alvoroço,
E entregue todo a um subito desvelo
Enfeita a cara, e pentêa o pello:
Galan em cheiros, em vestir flammante,
Parece um cravo de Arrochella andante.
Á rua sahe, e junto ao aposento
Do adorado portento,
Onde cuidou gozar da dama bella,
Se lhe manda fazer pé de janella:
Acceita elle, e livre do desmaio,
De amorosos conceitos faz emsaio.
"Querido idolo meu, prenda adorada,
(Lhe diz com voz turbada)
Se para um longo amor é curta a vida,
Me amor vos escusa de homicida;
De que serve matar-me rigorosa
Quem tantas settas tira de formosa?
"Dai-me essa bella mão, nympha prestante,
E n'esse rutilante
Ouro em madeixas do cabello undoso
Prendei o vosso escravo e vosso esposo:
135
Não peço muito, mas se muito peço,
Amor, minha Senhora, é todo excesso.
"É modo amor que nunca teve modo:
Amor é excesso todo,
E n'essa mão de neve transparente
Pouco pede quem ama firmemente:
Dai-mà por mais fineza, que os favores
São leite e alimento dos amores."
Responde-lhe ella com um brando riso,
E no mesmo improviso,
"Ai, lhe diz, que acordou meu pai agora,
Amanhã nos veremos, ide embora."
Fecha a janella, e o moço mudo e quedo,
Fica sobre um penedo outro penedo.
Fará isto um fradinho Franciscano?
Fará isto um magano,
Que em casos taes quer ir com tudo ao cabo,
E fede ao bodum como o diabo!
Um frade porqueirão e esfaimado
Não fia nos primores tão delgado.
136
Pois putas sujas desaventuradas,
Quem vos traz deslumbradas
Que não vedes a grande differença
Que vai de uma fodença a outra fodença¿
Ora em castigo igual de taes maldade
Praza a amor que vos durmam sempre frades.
A uma meretriz que pediu a um frade quinze mil réis de antemão
para desemprenhar umas argolas.
1.
Quinze mil reis de antemão
Cota a pedir-me se atreve,
O diabo me a mim leve
Se ella val mais que um tostão,;
Que outra femea de canhão
Por seis tostões, que lhe dei,
Toda a noite a pespeguei;
E a quem faz tal petitorio
Borrorio.
137
2.
Ora está galante o passo:
Menina, não me direis
Se vos deu quinze mil réis
Quem vos tirou o cabaço?
Fazeis de mim tão madraço
Que vos dê tanto dinheiro
Por um triste parrameiro,
Que está junto ao cagatorio?
Borrorio.
3.
Quereis argolas tirar
Com as moedas que são minhas?
Para tirar argolinhas
Só lança vos posso eu dar:
Vós pedís por pedinchar,
Sem vergonha nem receio,
Como se eu tivera cheio
De dinheiro um escriptorio:
Borrorio.
138
4.
Sahís muito à vossa mãi
Nos costumes de pedir,
E eu em não contribuir
Sahi muito aos de meu pai:
Essa petição deixai:
Quereis sustentar-vos só,
Vossa mãi e vossa avò,
E todo o mais avolorio,
Borrorio.
5.
Vindes a muito ruim mato,
Menina, fazer a lenha,
Que outra femea mais gamenha
M'a fazia mais barato
Buscai outro melhor prato:
Quereis depennar a quem
Apenas segura tem
A ração do refeitorio,
Borrorio.
139
6.
Quereis que o Prelado astuto,
Me tome conta da esmola,
E a bom livrar dê a sola?
Que tal faça, fidè puto:
Eu não sou amba macuto,
Nem sou tão pouco matreiro
Que vós comais o dinheiro,
E eu fique de gargantorio,
Borrorio.
7.
Quereis pois sem mais nem mais,
Que no sermão de repente
Faça eu chorar a gente
Para que vós vos riais?
Alma tão mà me julgais
Que para as vossas cobiças
Tome capellas de missas,
E que chore o Purgatorio,
Borrorio.
140
8.
Ora em fim vós a pedir,
E eu, Cota, a vos negar,
Ou vós haveis de cançar,
Ou eu me heide excluir:
Com que venho a inferir
D'estas vossas petições,
Que heide perder os colhões,
A parvoice e o zimborio,
Borrorio.
A uma briga que teve certo Vigario com um ourives por causa de
uma mulata.
Naquelle grande motim,
Onde acudiu tanta gente,
A titulo de valente
Tambem veio o Valentim:
Puxou pelo seu faim,
E tirando-lhe a barriga,
Você se quer que lh'o diga,
Disse ao ourives da prata,
Na obra d'esta mulata
Mette muito falsa liga.
Briga, briga.
141
É homem tão desalmado,
Que por lhe a prata faltar,
E estar sempre a trabalhar
Bate no vaso sagrado?
Não vê que está excommungado
Porque com tanta fadiga
A peça da igraja abriga
N'uma casa excommungada,
Com censura reservada,
Pela qual Deus o castiga?
Briga, briga.
Porque com modos violentos
A um vigario tão capaz,
Sobre os quatro que já traz,
Cornos lhe põe quatrocentos?
Deixe-se d'esses intentos,
E reponha a rapariga,
Pois a repôl-a se obriga,
Quando affirma que a possue;
E se esta razão não conclue,
Vai esta ponta à barriga.
Briga, briga.
142
Senhor ourives, você
Não é ourives de prata?
Pois que quer a essa mulata,
Que cobre, ou tambaca é?
Restitua a moça, que
É peça da igreja antiga;
Restirua a rapariga,
Que se vingarà o vigario
Talvez no confessionario,
Ou talvez na desobriga.
Briga, briga.
Á mulata já lhe pêja
De trocar odre por odre,
Porque o leigo é membro podre,
E o padre é membro da igreja:
Sempre esta telha gotteja,
Sempre dà grão esta espiga,:
E a boa da rapariga
Quer desfazer esta troca,
E deixando a vossa toca,
Quer fazer co'o Padre liga.
Briga, briga.
143
Largue-lhe a mulata, e seja
Logo logo bom partido,
Que como tem delinquido,
Se quer recolher à igreja:
Porque todo o mundo veja
Que quando a carne inimiga
Tenta a uma rapariga,
Quer no cabo, quer no rabo,
A igreja vence o diabo
Como outra qualquer estriga.
Briga, briga.
A Antonio Luiz Gonçalves.
No becco do cagalhão,
No de espera-me rapaz,
No de cata que farás,
E em quebra cú o acharão:
Que tirando ao come em vão,
Que era esperador de cus,
Lhe arrebentou o arcabuz
No becco de leva rabos,
Onde lhe cantam diabos
Tres officios de catruz.
144
Tomem pois exemplo aqui
O Tocano e o Ferreira,
Pois lhes diz esta caveira,
Aprended, flores, de mi:
Mais aqui, ou mais alli
Sempre os demonios são artos,
Sempre bichos e lagartos;
E dar-lhe hão sobre beijús,
A comer sempre cuscús,
A ver se se dão por fartos.
A um Franciscano, que se presava de ter boa voz, boa cara, e bom
membro; e de que as mulheres damas se morriam por elle.
Sylva.
Ouve, magano, a voz de quem te canta,
Em vez de doces passos de garganta,
Amargos esparséos de gasnate:
Ouve, sujo alparcate,
As aventuras vis de um Dom Quixote
Revestido em remendos de picote.
145
Remendado dos pés até o focinho,
Me persuado que és frade Antoninho:
Por Frei Bazilio sahes de São Francisco,
E entras Frei Basilisco,
Pois que deixas á morte as putas todas,
Ou já pela má vista, ou pelas fodas.
Tu tens um membralhaz aventureiro,
Com que sahes cada triquete ao terreiro
A manter burribalhadas e fodengas,
Com que as putas derrengas.
Valha-te, e quem cuidàra, olhos de alpiste,
Que seria o teu membro o teu ensiste!
Gabas-te que se morrem as mulatas
Por ti; e tens razão, pois tu as matas
De puto pespegar, e não de amores;
Ou de puros fedores,
Que exhalam, porcalhão, as tuas bragas,
Com que matas ao mundo, ou o destragas.
Dizem-me que presumes de tres partes,
E as de Pedro serão de Malazartes:
Boa voz, boa cara, e bom badalo,
Que è parte de cavallo.
146
Que partes pòdes ter, villão agreste,
Se não sabes a parte onde nasceste?
Vestido de burel um salvajola,
Que partes pòde ter? de mariola.
Quando o todo é suor e porcaria,
A parte que seria?
Cada parte bodum, catinga e lodos,
Que estas as parte são dos frades todos.
Não te esvaneça andar-te a femea ao rabo,
Que Joanna Lopes dormira co'Diabo.
E posto que a Mangá tambem forniques,
Que é moça de affeniques,
Suppõe que tinha então faminta a golla,
E que te quiz mammar o pão da esmolla.
Não hão mister as damas gentilezas,
Que arto bonitas são, arto bellezas;
O que sómente querem é dinheiro:
E se as cavalgas tu, pobre sendeiro,
É por que dando esmollas e offertorio,
Quando as pespegas, geme o refeitorio.
147
Prezas-te de galan, bonito e pulchro,
E phantasma parecer de um sepulchro;
A caens mortos te fede a dentadura:
E se ha puta que atura
Taes alentos de bocca, ou de trazeiro,
É porque as incensas com dinheiro.
O habito levantas no passeio,
E cuidas que está nisso o galanteio:
Mostras a perna mui lavada e enxuta,
Sendo manha de puta
Erguer a saia por mostrar as pernas,
Com que és hermaphrodito nas cavernas.
Tu és filho de um sastre de bainhas,
E deitas muito mal as tuas linhas;
Pois quando fidalgão te significas
A ti mesmo te picas,
E dando pontos em grosseiro pano,
Mostras pela entretéla que és magano.
Porna em teu juizo, louco Durandarte,
Se algum dia o tiveste a quem tornar-te:
Teme a Deus, que em tão louco desatino,
De algum celeste signo
148
Hei medo que um badalo se despeça,
E te rompa a cabaça, ou a cabeça.
Se és frade, louva ao santo patriarcha,
Que te soffre calçar-lhe a sua alparca,
Que juro a tal, se ao seculo tornàras,
Nem ainda te fartáras
De ser um tapanhuns de carretos,
Por não ser marióla aonde ha pretos.
Justiça que faz o P. na honra hypocrita pelos estragos que anda
fazendo na verdadeira honra.
Uma cidade tão nobre,
Uma gente tão honrada,
Veja-se um dia louvada
Desde o mais rico ao mais pobre:
Cada pessoa o seu cobre:
Mas se o Diabo me atiça,
Que indo a fazer-lhes justiça,
Alguns saia a justiçar,
Não me poderão negar,
Que por direito e por lei
Esta é a justiça que manda El-Rei.
149
2.
O Fidalgo de solar
Se dá por envergonhado
De um tostão pedir prestado
Para o ventre sustentar:
Diz que antes o quer furtar,
Por manter a negra honra,
Que passar pela deshonra
De que lh'o neguem talvez:
Mas se o vires nas galés
Com honras de vice-rei,
Esta é a justiça que manda El-Rei.
3.
A donzela embiocada,
Mal trajada, peior comida,
Antes quer na sua idade
Ter saia que ser honrada:
É publica amancebada
Por manter a negra honrinha,
E se lh'o chama a visinha,
E lh'o ouve a clerizia,
Dão como ella na enxovia,
E paga a pena da lei,
Esta é a justiça que manda El-Rei.
150
4.
A casada com adorno,
E o marido mal vestido,
Crêde que este tal marido
Pentêa monho de corno.
Se disser pelo contorno
Que se soffre a Frei Thomaz,
Por manter a honrinha o faz;
Esperai pela pancada,
Que com carocha pintada
De Angola hade ser vis-rei:
Esta é a justiça que manda El-Rei.
5.
Os letrados peralvilhos
Citando o mesmo Doutor
A favor do réo e autor,
Comem de ambos os carrilhos:
Se se diz pelos corrilhos
Sua prevaricação,
A desculpa que vos dão
É a honra de seus parentes;
E entonces os requerentes
Fogem d'esta infame grei.
Esta é a justiça que manda El-Rei.
151
6.
O clerigo julgador,
Que as causas julga sem pejo,
Não reparando que eu vejo,
Que erra a lei e erra o Doutor:
Quando vem do Monsenhor
A sentença revogada,
Por saber que foi comprada
Pelo gimbo ou pelo abraço,
Responde o Padre madraço:
Minha honra é minha lei.
Esta é a justiça que manda El-Rei.
7.
O mercador avarento
Quando a sua conta estende,
No que compra e no que vende
Tira duzentos por cento:
Não é elle tão jumento
Que não saiba que em Lisboa
Se lhe hade dar na gamboa,;
Mas conmigo já o dinheiro,
Diz que a honra está primeiro,
E que honrado a toda lei
Esta é a justiça que manda El-Rei.
152
8.
A viuva autorisada,
Que não possue vintem
Porque o marido de bem
Deixou a casa empenhada:
Alli entra a fradalhada,
Qual formiga em correicão,
Dizendo que à casa vão
Manter a honra da casa;
Se a vires arder em braza,
Que ardeu a honra entendei.
Esta é a justiça que manda El-Rei.
9.
O Adonis da manhaã,
O Cupido em todo o dia,
Que anda correndo a coxia
Com recadinhos da irmaã,
E se lhe cortam a laã
Diz que anda n'aquelle andar
Pela honra conservar
Bem tratado e bem vestido;
Eu o verei tão despido,
Que até as costas lhe verei.
Esta é a justiça que manda El-Rei.
153
10.
Se vires um Dom Abbade
Sobre o pulpito cioso,
Não lhe chameis religioso,
Chamai-lhe embora de frade:
E se o tal Paternidade
Rouba as rendas do convento,
Para acudir ao sustento
Da puta, como da peita
Com que livra de suspeita
Do Geral, do Vice-Rei,
Esta é a justiça que manda El-Rei.
Benze-se o P. de varias acções viciosas que observava na sua
patria.
Destes que campam no mundo
Sem ter engenho profundo,
E entre gabos dos amigos,
Os vemos em papafigos,
Sem tempestade, nem vento:
Anjo bento!
154
De quem com lettras secretas
Tudo o que alcança é por tretas,
Baculejando sem pejo
Por matar o seu desejo,
Desde a manhaã té á tarde:
Deus me guarde!
Do que passêa farfante,
Muito presado de amante,
Por fóra luvas, galões,
Insignias, armas, bastões,
Por dentro pão bolorento:
Anjo bento!
D'estes beatos fingidos,
Cabisbaixos, encolhidos,
Por dentro fataes maganos,
Sendo nas caras uns Janos,
Que fazem do vicio alarde:
Deus me guarde!
Que vejamos teso andar,
Quem mal sabe engatinhar,
Muito inteiro e presumido,
001 a 042 ..... 043 a 100 ..... 101 a 154 ..... 155 a 200 ..... 201 a 249 ..... 250 a 300 ..... 301 a 374